A Tua Vontade é a Tua Vitória

27.9.08

Nova Lisboa - E.A.M.A.


27 de Janeiro de 1973 - Sábado

  A camioneta da E.V.A. (Empresa de Viação de Angola) faz-se ao caminho cheio de mancebos que iam para a E.A.M.A. (Escola de Aplicação Militar de Angola) sediada em Nova Lisboa para o curso de Sargentos Milicianos. 650 Km era a distância entre a asa da mãe e o "nascer" de um novo ser independente.

Camionetas da EVA


  Chegamos por volta das 5h30m da tarde e a chover, vejam lá o nosso azar (durante a semana a chuva foi uma constante), fomos separados por companhias. Um capitão, de quem já não me lembro o nome (alcunha Xiritung), à nossa chegada disse que era bom irem para a companhia dele pois era uma companhia só para homens. Segundo o que mais tarde me disseram, esse capitão fez parte de um grupo que, no ataque aos acampamentos dos guerrilheiros, abriam a porta das cubatas ao pontapé, só que um dia houve um azar, as portas estavam armadilhadas e ele viu morrerem alguns soldados, a partir daí nunca mais se recompôs e enviá-lo para a E.A.M.A. foi o melhor recurso. De uma forma ou de outra acabei por não ficar nessa companhia.

  Distribuídas as dormidas, no dia seguinte foi a vez de formar à civil, à chuva, e levantar o fardamento. Tivemos um companheiro que teve que fazer a instrução durante duas semanas com a roupa civil pois não havia fardamento que lhe servisse tal era o arcaboiço dele.

Em 1960 ainda não tinha o A final


  A minha companhia era composta por dois ladrões, um sargento e um capitão. Chegados ao fim do mês o pré era de tal maneira ridículo que nem dava para um baleizão (gelado).

  Pela primeira vez, que eu saiba, houve um levantamento de pré (isto em 1973), e todos nós recusámos receber o mesmo. O capitão viu o caso mal parado e tentou “comprar” os nossos líderes, enviando-os ao sargento e este à boca do cofre quis comprá-los só que aquela companhia não era uma companhia qualquer, já soprava os ventos da mudança e à recusa lá tiveram que abrir os cordões à bolsa. Ironia do destino, anos mais tarde, já eu estava em Cabinda, foi este Capitão que levou o Zeca, Adriano, Fausto e outros Cantores de Intervenção até ao Cinema Chiloango onde eu tive o prazer de cantar em pleno palco, de braço dado com o Zeca, «Grândola, Vila Morena», e tantas outras baladas que ouvia em surdina em Nova Lisboa e lá no interior do mar vegetal de seu nome Maiombe.

  A recruta foi o que se esperava. Como tinha sempre praticado desporto os exercícios não eram por demais, e aos vinte anos o corpo aguenta tudo. Na lagoa dávamos os nossos “mergulhos”, com arma, camuflado, botas e chafurdávamos na lama onde os porcos chafurdavam também. Lembro-me que um dia todo eu era lama, fui para debaixo do chuveiro fardado com arma e tudo. Depois de limpa a arma e cartucheiras às duas horas estava-me a deitar e às 5 e 30 a levantar para mais um dia de instrução.

A lagoa lá ao fundo


  Ao fim-de-semana a tentativa ou para ir até à cidade ou até Luanda. Alinhadinhos havia a revista para ver se estava tudo nos conformes. Cabelo curto mas com “pelugem” no pescoço, sapatos engraxados mas que a uma pisadela deixavam de estar, barba feita, mais que feita, mas que ao passar de um papel fazia o ruído característico era o suficiente para se dizer adeus à saída.

  Com o tempo iríamos aprender a contornar essas dificuldades e quase sempre à noite fazíamos um giro até à cidade.

  E o tempo foi passando, aprendemos a sobreviver comendo o que a natureza dava, éramos largados à noite em locais inóspitos e através das estrelas, de uma bússola e de um mapa lá tínhamos que chegar ao quartel. Saídas do quartel e correr por essa Nova Lisboa fora e as miúdas a olhar para aqueles rostos de crianças feitos homens.

  Tiros e mais tiros na carreira de tiro para aperfeiçoar a pontaria. Havia na minha companhia um companheiro que tinha um problema, levantava a perna e o braço do mesmo lado. Não sei como o conseguia mas certo é que tinha esse problema. Na carreira de tiro o alvo dele estava sempre sem buracos, o alvo do companheiro ao lado tinha mais buracos que o normal, quando no fim da recruta saiu a listagem dos aprovados lá estava o nome dele como aprovado para… «Básico». Muito ele chorou.

No pórtico

O pórtico

  A 14 de Março a injecção "cavalar" que iria tentar nos colocar imunes contra todo o tipo de doenças. Todos em fila de "pirilau", vinha um enfermeiro colocava a agulha na omoplata e outro seringava o líquido. Alguns caíam desmaiados logo ali, outros, com essa injecção, acabaram por ficar doentes.

  15 de Abril de 1973 fim da recruta, dia do Juramento. Na parada, com tacos enfiados no chão a servirem de guia para a coreografia que iríamos fazer, o nosso pelotão cantou em plenos pulmões ao som da Balada dos Boinas Verdes (Ballad of the green beret), a canção que nos uniu durante aqueles três meses.

HINO AO 3º PELOTÃO

Cabelo ao vento,
Vontade forte,
Alegria de viver,
3º grupo, vai a passar,
“Água-Viva” a comandar.

Já lá vamos,
Para a sessão,
Cabeça erguida,
G3 na mão,
Progredindo, sempre em corrida,
A ti amigo, dá-mos a mão.

Não desanimes, ó camarada,
Pois a recruta, está acabada,
3º grupo, sempre a marchar,
Muitas saudades, irá deixar.

Canta comigo, esta canção,
Ela é mensagem, de paz e amor,
É a palavra, a oração,
É o campo de trigo em flor.

aspirante – Godinho (Água-Viva)
furriel – Seguier
cabo-milic. – Ribeiro


Especialidade - EAMA - Maio 1973

Em cima: Eu, Pereira, Teodoro e Rui Rosa Em baixo:Gorgulho e Hermínio

7 comentários:

Francisco disse...

Parabéns! Grandes músicas, grandes blogs, grandes histórias. Bom contributo para a História de Portugal.
Uma sugestão: por favor muda a cor destas letras amarelas; é muito difícil ler esta cor neste fundo.
Cumprimentos,
Francisco

Mário Lima disse...

Francisco


Mas as letras não estão em amarelo, estão em negrito.

Obrigado pelo comentário

manuel aldeias disse...

Estas palavras fizeram-me reviver os tempos da recruta, que passei na mesma alura em Vila Real.
Eramos jovens e tudo suportavamos.
Gostei do que li e, este blog faz parte da minha lista de favorios.
Encontro-me a escrever uma estória passada em Angola que pode ser lida em:
http://manuelaldeias.blogspot.com/

carlos martins disse...

ANDEI PELO EAMA EM JANEIRO DE 71.REVEJO-ME EM TUDO O QUE O CAMARADADISSE.ERA EXACTAMENTE ISSO QUE SE PASSAVA. EU FUI DA 1ª COMPANHIA,ACABEI A RECRUTA FUI PARA LUANDA, PARA O AGRUPAMENTO DE TRANSMISSÕES .FUI O FURRIEL CARLOS MARTINS (BIGODES).ACABEI A TROPA A CHEFIAR O POSTO DE TRANSMISSÕES EM CABINDA EM JULHO 74. ABRAÇO!

Veston disse...

Estive na EAMA de Abril a Junho de 1971 na especialidade de escriturario na 4 companhia do Major Aires. Ponto da Instruçao fui colocado na CRMMTm do ATmA (Luanda),mas tive q fazer Uma ccomissão de 13 mêmes na oficina avançada da CRMMTM e STm junto ao B.Caç. 11. Ao ler tua historia militar revi a minha. Obrigado.

Unknown disse...

Ao ler as v/estórias, vejo que tenho algo comum convosco.
Estive no EAMA no 1º Turno de 70, e vim para o AtmA para fazer a especialidade de TSF, tendo ficado colocado na Cª de Transmissões (C Trm). Já vi que um de vcs foi da Rebola Caixotes (CRMMTM9. Quanto ao Carlos Martins, quando tal foi meu instruendo nas transmissões, pois dei quase todas as especilidades naquela unidade até terminar a 31/07/73.
Fui o Furriel Reinaldo Macedo

Carlos disse...

Estive por lá no 1º turno 1972 1ª companhia 1º pelotão depois fui colocado no RI20 Luanda mas depois fui colocado no Ambriz no Centro de instrução procuro camaradas desse tempo