Andávamos há uns quatro dias em patrulha. Na floresta do Maiombe a humidade é uma constante. A chuva cai com frequência, os trilhos ficam alagados, o sol não penetra e a lama permanece durante semanas.
A alimentação baseava-se essencialmente nas rações de reserva que levávamos na mochila que, com os atilhos finos, nos magoava os ombros. A água era filtrada dos lagos que encontrávamos (caso não chovesse), um comprimido de quinino dentro e há que beber.
A irritação devido às circunstâncias; alerta de possível ataque, as agruras dos trilhos, a distância do objetivo, o dormir enregelado no nosso poncho, fazia disparar em flecha a nossa má disposição.
O meu grupo chega a uma aldeia. Verifico que haviam muitas galinhas a penicar aqui e ali.
Chamo o soba e pergunto de quem eram as galinhas pois queria comprar algumas para satisfazer a fome do grupo. Diz-me o soba que não eram de ninguém. Ah, não são de ninguém? Digo a uns soldados para apanharem meia dúzia e apertarem o pescoço. Assim fizeram e o dono apareceu logo.
Regateio com ele o preço e, feito o pagamento, pergunto se não há na aldeia quem pudesse fazer uma churrascada daquelas galinhas.
Apareceu uma mulher que se predispôs a fazer isso.
Tantos anos depois ainda não consigo saber se foi por vingança ou se o churrasco naquela aldeia tem aquele jindungo (nome do piripiri em Angola) todo. Certo é que, em volta da fogueira, suava que nem bicho no deserto e a boca ardia e de que maneira.
Como a cerveja estava quente, maldisse o dia que mandei apertar o pescoço a umas quantas galinhas.
Mas houve festa e foi uma noite inesquecível, uma pelo picante que hoje, passados 43 anos, ainda me "queima", outra por aquele ambiente incrível de, no meio de uma floresta, numa aldeia perdida, ouvir o fogo a crepitar ao som do batuque.
fotos: pinturas compradas em Cabinda (creio que são congolesas)