A Tua Vontade é a Tua Vitória

15.12.20

Natal Tando-Zinze - 1973

Era a primeira vez que passava o Natal longe da família.

Chegado a Tando-Zinze a 13 de dezembro, seria ali junto à floresta do Maiombe que, sem qualquer presença feminina, só nós camaradas de armas, iríamos passar tanto o Natal como o fim de ano.

Tinha só onze dias de mato. Tudo ainda era estranho para mim.

Quando cheguei, um furriel 'velhinho', o camarada Ramos , quis trocar as divisas da furriel comigo. As dele já velhas e desgastadas, as minhas novinhas. Não aceitei e lembro-me de lhe ter dito, que hoje estão novas, amanhã estarão como as tuas. Um grande camarada o Ramos.

Na tropa, na classe de sargentos só tive aborrecimentos sérios com um. Feitios incompatíveis que não escondíamos. Mais valia assim. Felizmente nunca fiz uma patrulha com ele.

Outro houve que me quis dar um tiro, mas éramos amigos. Havia uma razão forte para o procedimento dele para comigo, era por amizade e o querer ver livre daquela dependência que ele ia tendo esse momento tresloucado. E em dezembro de 1973, com o cheiro da clorofila da floresta, numa mesa onde o amigo Moreira, madeireiro, era nosso convidado, passei o meu primeiro Natal na tropa.

Iria passar um segundo Natal, mas este já em Cabinda e desse não tenho qualquer recordação.

Foto: natal de 1973. Sou o primeiro da esquerda.

9.12.20

Noites sem fim...

Poncho molhado, olhar na tropa e na mata Vai-se no Maiombe, devagar, picada afora A chuva encharca, está chovendo que se farta Dói dentro d'alma, dói até ao raiar da aurora (verso alterado do tema 'Poncho molhado')

Dentro da mochila, rações de combate para quatro dias. A rede do mosquiteiro à volta do pescoço, o poncho, a minha 'amante' que não me largava, a minha G3, o cantil com água e comprimidos contra o paludismo (Daraprim).

Sai o grupo de combate do quartel. Embrenha-se na floresta. Charcos onde as fêmeas dos mosquitos ovipositam, para mais uma geração de geradores de paludismo, são uma constante. O sol não entra, a água não evapora. Cheiro pestilento da água estagnada, os mosquitos volteiam, entram até na rede, é o miruí.

A noite cai. A chuva desaba fortemente. Não há fogo para aquecer a ração de combate. Come-se diretamente da lata. Forma-se os horários de vigília, nunca por mim olvidado para a segurança de todos.

Junto às árvores a tropa dorme. Enrosco-me no poncho. Está frio, e a chuva que não deixa de cair.

Um último olhar e adormeço, sempre em alerta ao mais pequeno ruído.

E no romper da aurora, há que levantar e prosseguir a patrulha até ao destino, um local qualquer perdido na lonjura daquela floresta que tanto marcou, quem pelo Maiombe passou!
foto: no interior do Maiombe