A Tua Vontade é a Tua Vitória

30.9.08

A Tua Vontade É a Tua Vitória!

  A noite tinha caído sobre o aquartelamento. Cá fora as aves nocturnas faziam-se ouvir naquela floresta densa. A lua cheia corria devagar no céu. As sentinelas, nos seus postos, perscrutavam a mata procurando não ouvir um ruído que lhes alertasse os sentidos. A aldeia próxima dormitava e só aqui e ali se ouviam os latidos dos cães. Nas camaratas os soldados dormiam o sono dos justos, depois de mais um dia de patrulhas e de labuta no quartel.

  - Meu furriel, meu furriel – disse alguém abanando-me com firmeza.

  - O que é? – Pergunto eu, ainda estremunhado, afastando o mosquiteiro que, sobre a minha cama, impedia-me ser mordido pelos mosquitos mas não pelos miruins, esses mosquitos muito mais pequenos que se infiltravam prontos a mais uma refeição de sangue humano.

  - Há terroristas infiltrados no quartel – disse em voz baixa a sentinela.

  - Onde é que os vistes?

  - Junto à arrecadação do armamento.

  Estamos feitos, pensei eu!... Se conseguissem abrir a arrecadação teriam em seu poder o armamento suficiente para nos dizimar.

  - Como, quantos e quando os vistes?

  - Eram dois, estavam a rastejar em direcção à arrecadação e foi há poucos minutos.

  Peguei na minha HK21, já com a fita metida pronta a disparar. O bipé dava jeito para melhor segurar a metralhadora. Com a prática levada dos Comandos a HK fazia parte do meu corpo assim como a minha G3. Fosse para onde fosse, nem por um momento a abandonava. Mesmo quando se ia ao interior do Maiombe buscar lenha, a guarda era montada e ai daquele que se esquecesse dentro do Berliet da arma e colocasse os toros de madeira por cima, tínhamos o caldo entornado, na guerra não podemos facilitar a vida ao inimigo.

  Sussurrando aqui e ali, o quartel foi despertando e de pronto ali estávamos para vender caro a vida.

  Em grupos íamos saindo das nossas camaratas cada um de nós com o seu grupo de combate.

  A cada barulho todo o nosso corpo vibrava e adrenalina subia. Circundámos o quartel e de inimigo nem rastos. As nuvens tapavam o céu tornando a noite escura num quartel já de si em plena escuridão.

  Na arrecadação nem vivalma, no paiol idem, junto aos Unimogues e Berliets nada.

  De repente dou uma gargalhada. Todos os meus camaradas se entreolharam perante esta minha saída. «Terá enlouquecido? – Pensariam eles». E eu continuava a rir-me que nem um perdido naquela noite onde uma sentinela tinha visto dois vultos rastejando para a arrecadação.

  Perante o assombro dos meus camaradas apontei para dois cães que vagueavam no quartel. A lua cheia tinha surgido e batendo em cheio nos cães, a sua luz prolongava as suas sombras parecendo, à distância, dois vultos a rastejar.

  Ali estavam os dois terroristas. Por momentos não ganhámos para o susto mas foi bom que assim fosse, tudo está bem quando acaba em bem já dizia Voltaire.

  Elogiou-se a atitude do sentinela, pois nada deve ser deixado ao acaso, fomos até ao bar para refrescar as gargantas e as ideias, e depois cada um voltou para a sua camarata. Nessa noite os «Gorilas do Maiombe» tinham-se safado, faltavam ainda muitos mais dias e noites para se safarem de vez!

foto: o nosso quartel em Tando Zinze

A Floresta


  Estive um ano da minha juventude "dentro" da floresta. Uma floresta virgem que tanto nos dava o piar dos pássaros tropicais como os ruídos característicos dos gorilas de galho em galho ou atravessando as clareiras em grupos.

  Um ano onde a solidão imperava e os meus olhos aprenderam a olhar a vida de outra forma.

  Quando, numa clareira, olhava para o céu através das copas dessas árvores, sentia-me pequeno.   Somos uma ínfima parte de um Universo que está para além da nossa compreensão.   Nele não somos nada, nele somos tudo.

  Aprendi a respeitar e saber que ali a meu lado estava um ser humano que necessitava de nós como nós necessitávamos dele. É o dar e o receber.

  A floresta envolve não só a floresta em si, mas também quem dela depende, uma borboleta, um símio, um crocodilo, a água que por ela corre, as suas gentes e os seus costumes.

  Um dos aspectos interessantes numa floresta tropical é sem dúvida a chuva que de repente cai e, pouco depois, brilha um sol esplendoroso.

  Devido ao facto de ser uma floresta muito "fechada", as poças mantinham-se durante muito tempo sem se evaporar pois os raios solares não chegavam até elas.

  Os mosquitos aproveitavam para colocar os seus ovos e nós lá tínhamos que andar sempre com o mosquiteiro enrolado ao pescoço que era para quando nos deitássemos na mata evitar que eles nos picassem e nos transmitissem a malária, doença por vezes fatal.

Este é o gorila que habita a floresta onde estive. Um animal de respeito

  Uma vez íamos em patrulha à noite quando, de repente, vimos um vulto iluminado pela lua cheia, bem destacado na picada por onde avançávamos. Paramos para ver tão estranha personagem, e todos, pelo andar da criatura, pensávamos que era um gorila. Só que ele vinha na nossa direcção e tanto se aproximou que no silêncio da noite risos ecoaram, era afinal um camarada nosso.


  O nosso percurso era quase todo feito por picadas (trilhos abertos) mas na hora de dormir, enroscávamos nas nossas mantas de campanha, a cama eram as folhas secas das árvores e o céu o nosso tecto.


  Mulher cabindesa - Na família cabinda, a principal figura é a mãe, pois é ela que trabalha a terra - fonte básica de sustento da família, e gera os filhos que aumentam o poder do clã. As filhas são a base da continuidade e propagação do grupo e base da sustentação deste pelo amanho da terra. O homem dedica-se à caça, ao derrube de árvores de maior porte e à guerra. O Cabinda considera a actividade agrícola aberrante da sua dignidade.
E como eram lindas as cabindesas!...

 Umas das características das florestas são os seus sons e o seu silêncio. O restolhar de uma serpente, um pequeno rato no seu passinho apressado, o piar de uma ave, o quebrar de um galho e o silêncio que, de repente, se abate sobre este mundo.

  Parece que nesse momento tudo deixava de existir pois o silêncio era tal que também se ouvia.   Ouvir o silêncio!...

  Quantas vezes debaixo de uma árvore o ouvi. Até o vento, o ar em movimento, fica quedo como se o simples soprar, fosse um acto pecaminoso bulir com o espírito silencioso da floresta.

  Mas eis que de repente, como obedecendo a um chamamento, o som volta desta vez com mais força e vigor pois o espírito da morte tinha passado!...

11.08.2004

A Melhor Noite!

... A minha floresta. Quantas vezes me embrenhava nela durante a noite. Caminhando, tentava juntar o meu espírito ao dela, auscultar o seu pulsar, sentir a sua presença, conjugar a minha solidão. Olhava para cima nada via. As copas das árvores tapavam a luz da lua. Tudo era escuro. De vez em quando um piar cortava o silêncio da noite.

Andava sem rumo definido pelo emaranhado de lianas, das folhas tropicais, tropeçando aqui e ali nas raízes daquelas grandes árvores que esventravam a terra mãe. Tudo era misterioso.

Certa noite, entregue aos meus pensamentos, não reparando para onde os meus passos me levavam na picada, vi-me, de repente, numa clareira,... olhei para o alto e senti o quanto insignificante era eu no Universo.

Miríades de estrelas cintilavam num céu quase celestial. A lua em todo o seu esplendor, pendente no firmamento, iluminava suavemente a clareira onde me encontrava. As copas das árvores pareciam entrar pelo Cosmos adentro. E eu ali, pequenino, senti que era um nada no meio de tudo.



28.10.2002

Os Sons

  Um dos sons que mais admirei foi dos papagaios. O papagaio existente na "minha" floresta era o papagaio-cinza.

  No aquartelamento tive dois papagaios, um já animal feito, privado da sua liberdade já em fase adulta era de difícil trato (e com razão), o outro era ainda muito pequeno quando o tive. Infelizmente ambos morreram de uma doença para a qual não tínhamos antídotos para a debelar lá longe onde o sol castiga mais.

  O mais pequeno, o "Abutre", esse "marcou-me", como era bom chegar de uma patrulha e coçar-lhe o "piolho". Ei-lo aqui e as palavras que ele nunca escreveu.


  Apresento-me, sou o “abutre”. Fui um papagaio já que a morte veio e me levou bem nova para o reino dos papagaios. Era desejo do meu dono ser-lhe oferecida (embora o nome seja masculino eu sou feminina). Não foi possível nem ele assistiu à minha agonia. Talvez tivesse morrido de saudades, não sei! Só sei que três palmos de terra repousam sobre o meu corpo. Lágrimas do meu dono caíram sobre a terra, é como se me tivessem tocado. Sei que ele nunca me esquecerá. Dei-lhe alegria nos seus momentos de tristeza... Eu sou, fui, o “abutre”...

  Cabinda73

  O "abutre"!... pequeno pássaro que me acompanhou durante o tempo que a vida lhe durou. O porquê de “Abutre”? Foi uma questão de olhar para o pescoço vazio de penas. Deu-me a ideia de um abutre e abutre ficou.

  Nunca mais tive aves ou mamíferos em cativeiro.

Com a devida vénia.




Revoltam-se as palavras, já cansadas
da aferição com o pensamento,
que, julgando trazê-las controladas,
descansa no seu convencimento.

Esquece as palavras ditas sem pensar
e as ideias difíceis de expressar.
Uma diferença resolveria tudo
- nascer-se papagaio ou pato-mudo.

in blog «Ideias em desalinho»




Ele nasceu papagaio!

29.9.08

De Luanda a Cabinda


Dezembro de 1973

  Saio de Luanda, já como Furriel, a caminho de Cabinda, em 11 de Dezembro de 73. Meu destino, B.Caç.11, conhecidos pelos Gorilas do Maiombe.

  A viagem, marítima, decorria serenamente. Dois camaradas meus, conhecidos da EAMA e dos Comandos, faziam-me companhia com destino a um destacamento de rendição individual, algures na floresta do Maiombe.

  Deitado em cima de grades de cerveja, percorria os olhos pelo firmamento pejado de estrelas. A lancha LDG 202 "Alabarda", transportava viveres e bebidas para os aquartelamentos e povoações costeiras até Cabinda.


  O «Donne Moi Ma Chance», canção não oficial dos Comandos, fazia agora sentido. Pedia que a vida desse uma chance de nada acontecer, a mim e aos meus camaradas, durante o tempo que iríamos permanecer no mato.

  Não sabia nada do meu destino, sabia sim que ficava perto do Congo do Mobutu. Se era zona perigosa ou não, só o tempo o diria.

  Uma paragem em S. António do Zaire para descarregar mercadoria. Aproveitei para ir a terra firme (embora tenha nascido junto à orla costeira, eu e os barcos não nos entendemos pois enjoo com facilidade) e conhecer um pouco desta vila perto do rio Zaire. Como os barcos não podiam acostar, a mercadoria era descarregada em batelões e depois seguia para o embarcadouro onde os aguardavam os camiões para carregarem o que lhes era destinado.


  Pareceu-me uma vila muito pequena. Sei que estive num bar junto ao embarcadouro, e enquanto não houve sinal de partida, deambulei um pouco pela zona, as estradas ainda de terra batida, muito sossegada, algumas árvores despontavam mas fora a azáfama junto ao cais nada mais me despertava a atenção. Tantos anos passados, é difícil lembrar todos os pormenores mas fica sempre algo nas gavetas da memória.

  De regresso à lancha, depois de quase doze horas de viagem, clarões alumiavam os céus. Eram dos poços de petróleo, tinha chegado ao meu destino, tinha chegado a Cabinda.


2044ª Companhia Comandos - Luanda


 Ao escrever sobre a minha vida militar não quero dizer com isso que sou apologista da guerra. Não gosto da guerra que destroça milhões de pessoas e só servem o interesse dos vendedores de armas, do petróleo, ou de quem queira uma possessão de terreno (País) tal e qual como qualquer animal dito irracional o faz.

 Quando fomos chamados para a vida militar, naquela época era obrigatório, quem não fosse sujeitava-se a ser penalizado por isso. Mas foi lá que se fizeram grandes amizades. Ainda hoje passa em rodapé nas TV´s ou nos jornais, que companhia tal vai ter um almoço de confraternização em qualquer lugar deste país.

 Nunca fui a nenhum. Uma porque quando estive nos Comandos nunca o cheguei a ser devido a queda que me fracturou o ombro. Nos “Gorilas do Maiombe” a minha companhia era de rendição individual por isso nunca houve grandes motivos para reunir já que andávamos sempre a substituir e a sermos substituídos, ou seja, nunca estive numa companhia do principio ao fim com os mesmos camaradas.

 Por isso os rostos esfumaram-se nas veredas do tempo, contactos pessoais nunca houve e assim se passaram anos e anos, até que...

 Um dia resolvi escrever. Escrever aquilo que penso, notas da minha vida, sem o intuito de agradar seja a quem for senão a mim.

 E voltei ao passado, não a um passado saudosista, que aquilo é que era bom e agora nada presta. Cada coisa no seu tempo!

 Sempre pensei que, caso fosse Comando, pertenceria à 33ª Companhia. Meteu-se-me na cabeça que era e ponto final. Só que passado estes anos de contacto em contacto, verifiquei que assim não era. Aqui é que se vê o que une quem lá esteve naquela guerra. Mesmo não tendo sido Comando, vários Comandos entraram em contacto comigo para a pouco e pouco ir eliminando as Companhias que se formaram até à altura que entrei para o CIC. Fiz vários contactos e hoje a certeza absoluta que seria da 2044ª do 27º Curso que decorreu entre Junho e Outubro de 1973.

 Assim ao som da música da «Ballad of the green beret», Hino Oficial dos Comandos, agradeço a todos os que entraram em contacto comigo, especialmente ao Armindo Ferreira da 33ª (sem ele não teria sido possível saber nada de nada), ao Brito da 2046ª, ao Carlos Sousa, Aníbal Lopes e ao Rosa da 2044ª toda a ajuda prestada.

 Para todos o meu MAMA SUMAE e aqui fica a letra da canção que tão bem a conheceis.

Hino “Comando”

Somos jovens e audazes,
Palmilhando matas sem fim,
E mostramos ser capazes
De lutar até ao fim.

Aprendemos a ser duros,
A lutar até morrer,
E mostramos ser seguros
Não faltando ao dever.

Ao perigo indiferentes,
E na guerra destemidos,
Nunca largamos as frentes
Perseguindo o inimigo.

Esta é a voz do COMANDO,
Que de regresso cantamos,
E bem alto vamos gritando
MAMA SUMAE, AQUI ESTAMOS


Só quem lá esteve é que sabe dar o valor a isto!

Mama Sumae


  Há músicas que nos marcam. Músicas que deixamos de ouvir durante muitos anos mas ficam cá dentro fazendo parte de nós e a trauteamos em muitas ocasiões.

  O mesmo se passou com a música que abre este tema. Não sabia o nome dela, sabia sim que, durante muitos anos, quando de novo voltei às corridas (tinha feito atletismo no Benfica de Luanda) compassava os meus passos ao som da música que na minha mente tocava.


Centro de Instrução de Comandos - 1973

  Já aqui contei algumas situações no tema "A Sorte Protege os Audazes" em que tinha como fundo musical o «Donne Moi Ma Chance» (música “oficial” dos Comandos).

  A instrução era dada com fogo real. Lembro-me de a um furriel lhe ter rebentado um detonador na mão pois o detonador era da granada instantânea só que tinha a patilha correspondente à granada de sete segundos (esta patilha era colocada para armadilhas em picadas). Ao começar a contagem dos sete segundos, largou a patilha e o detonador rebentou-lhe na mão. A sorte é que, no meio do azar (esta é à portuguesa), ele só tinha o detonador e não a granada senão lá ia o instrutor e instruendos para a morte ou ficavam com lesões graves para toda a vida.

  Mas era a vida de militar, prontos para o melhor e para o pior. Embora odeie a guerra que só interessa a quem dela vive, estava pronto para fazer face a qualquer ataque pois ali não há escolhas, ou se mata ou se morre.

  Na altura havia uma piada com uma certa graça com o «ou mato ou morro». Então dizia-se: «Quando se vir o inimigo no mato vai-se pró morro, se estiver no morro vai-se pró mato»
Ou esta:
«Se detectarmos o inimigo damos meia volta e progredimos nas horas do car....».

  Claro que isto era só piada pois a realidade era bem diferente, quando os ataques aconteciam não dava tempo nem pró mato nem pró morro.

  A qualquer hora da noite podíamos ser chamados para formar na parada ou ter instrução nocturna. Quando havia zunzum que isso podia acontecer, deitávamos fardados pois tínhamos pouco tempo para nos vestir e aparecer na parada, quase sempre “pagávamos”, ou seja tínhamos que “encher”, que não mais era do que flexões.

  Como os instrutores já tinham passado pelo mesmo, estávamos nós deitados com o camuflado, eles entravam na camarata a fazer um chinfrim e a bater nos ferros dos beliches e diziam que tínhamos de estar na parada com traje de... passeio ou de trabalho! Lá se ia a nossa esperteza de estar com o camuflado vestido.

  Havia uma instrução também de competição, saber quem aguentava com os braços estendidos a arma segura pelas mãos. Inicialmente tudo bem mas com o passar dos minutos a arma começava a pesar “quilos”. Um a um lá iam baixando os braços havendo sempre quem tentava a todo o custo ser o vencedor mesmo que para isso tivesse que torcer todo o corpo.

  As corridas ao som da música, o conhecer as armas em todos os pormenores, a manutenção (por mais que a limpássemos quando o instrutor olhava para o cano estava sempre um "morro" de areia dentro dele e claro lá tínhamos umas flexões a fazer), o gosto que tínhamos na postura (mandei ajustar toda a minha roupa da tropa) fazia do «Comando» um ser diferente.

  A minha passagem pelos Comandos foi tão marcante que, estando eu nos Adidos à espera de embarque depois de ter vindo de Cabinda para tirar um curso em Luanda, ao apresentar o meu grupo ao Comandante dei um passo à frente que fez com que Comandante chegasse ao meu ouvido e perguntasse:

- O nosso Furriel esteve nos «Comandos»? - Estive sim meu Comandante - Então prá próxima dê um passo em frente à tropa normal (ele disse macaca) que isto aqui não são os «Comandos».

  Até aquele Comandante sabia bem o que era um passo em frente à Comando.

Num momento de boa disposição (reparem no punho fechado) - Aqui é só estilo

Em cima: Ferreira, Pinto, Reis, eu e Graça Lopes. Em baixo: "Dega", Folgado e Franco (foi comigo para Cabinda)

Mais uma foto do grupo com a inclusão do soldado Baltazar


Eu no CIC e a minha divisa de Cabo-Miliciano

Obrigado Ferreira pela indicação da música que já não ouvia há muito tempo.

A Instrução - Comandos

 ... E não te esqueças que as exigências feitas não são obrigações que cumpres, mas a afirmação permanente da tua vontade, do eu querer e do teu desejo de ser um “COMANDO”. Porque tu queres ser “COMANDO”!  E nós queremos-te entre nós!!

 As corridas ao som da música, o conhecer as armas em todos os pormenores, a manutenção (por mais que a limpássemos quando o instrutor olhava para o cano estava sempre um "morro" de areia dentro dele e claro lá tínhamos umas flexões a fazer), o gosto que tínhamos na postura (mandei ajustar toda a minha roupa da tropa) fazia do «Comando» um ser diferente.

Isto escrevi no meu tema "Mama Sumae".


 A instrução de um Comando não compadece com fraquezas e, como li na “Página de um Comando” do Polibio Robim da Companhia 2042º,“ em 100 só um será Comando”. Fora a redundância não há dúvida que pela instrução recebida só os mais fortes iriam “sobreviver” a tais provas que, durante os três meses de Curso, nos iriam preparar para os perigos que os Comandos teriam que suportar nas missões que lhes eram confiadas.

 Uma da situação que me admirou foi o facto de logo à chegada nos terem “dado” a G3 com balas verdadeiras e não de salva como estávamos habituados na tropa normal. Os “castigos” infligidos como encher (flexões de braços e pernas, cangurus, etc.) constantemente por tudo e por nada e se refilássemos mais “castigados” éramos, não visava outra coisa que não fosse dar-nos uma preparação física que mais tarde nos seria preciosa no confronto com o inimigo.

 Quando se atravessava a Parada era sempre em passo de corrida ou em marcha. Ai daquele que não o fizesse. Apanhado lá teria que ir ao “castigo”.

 A Instrução era feita em várias etapas. Eis algumas de uma forma resumida, pois todos nós passámos por elas e isto serve para quem lá não esteve e pense que isto de ser Comando é só bazófia.

Prova da Sede

 A “Prova da sede” foi a primeira prova que tivemos mal chegados ao CIC. Levados em Unimogs fomos a caminho da zona do Úcua onde iria decorrer a prova. Alertados que aquilo era zona do inimigo foi com mil cuidados, olhos e ouvidos em alerta, que aqueles mancebos tiveram o seu baptismo psicológico. Tínhamos que estar preparados para tudo, era o alvorecer de um possível futuro Comando.

18-7-1973-Úcua - Prova da sede- Foto cedida pelo nosso Instrutor de tiro - Comando Armindo Ferreira da 33ª (de camisola preta). De camisola branca o Alferes Dado


28.9.08

A Sorte Protege os Audazes


O meu distintivo

Audaces Fortuna Juvat

  Grito de Guerra: "Mama Sumae" - "Aqui Estamos, Prontos Para o Sacrifício!".

Grito do bailundo (Homem de uma tribo BANTO do sul do Continente Africano) armado de lança contra o leão no ritual de passagem da adolescência à maturidade.


EAMA – Nova Lisboa

  À voz do capitão a companhia formou numa ala perto do campo de obstáculos. Alguns soldados, com o uniforme camuflado colado ao corpo e de boina com o distintivos dos Comandos, aproximaram-se de nós. Vinham com o fito de escolher quem lhes parecesse que daria um bom Comando. Por azar encontrava-me em cima de uma pequena elevação parecendo ser mais alto do que na realidade o era. Ao aperceber-me disso inclino o corpo prá frente. Com a companhia alinhada, o capitão dos Comandos ia mandando sair da fila os que lhes pareciam ser mais capazes. Passa por mim e nada. Com um suspiro de alívio endireito o corpo, aí ele volta para trás e apontando o dedo para mim diz: «Tu também».

Centro Instrução de Comandos - Luanda

Depois de passar nos testes feitos na EAMA eis que regresso a Luanda para o CIC no Cazenga, a fim de fazer os treinos que me fariam Comando ou, caso não os conseguisse suplantar, voltaria para a tropa normal.

Na recepção tivemos logo uma palestra sobre a Instrução que iríamos receber.

... E não te esqueças que as exigências feitas não são obrigações que cumpres, mas a afirmação permanente da tua vontade, do eu querer e do teu desejo de ser um “COMANDO”. Porque tu queres ser “COMANDO”! E nós queremos-te entre nós!!

  E eu queria ser um entre eles.

  Formaram-se os grupos. Já não me lembro quem era o Alferes que nos deu a instrução mas lembro-me do Furriel.

Furriel Lima, meu camarada, que tombaste em terras de Cabinda para ti a minha homenagem.

  O treino era duro, mas duros éramos nós e: «O COMANDO não foge ao perigo, não evita as situações que possam acarretar-lhe incómodos. Incumbido de uma missão, põe no cumprimento dela todas as suas possibilidades de actuação, todas as suas forças físicas, intelectuais e morais.»

  De várias provas lembro-me bem da semana maluca e do Dimas Vaz que, simulado um ataque no meio do mato, caiu em cima do Unimog como tivesse sido atingido e era ver aquele grupo de jovens prontos para tudo.

  A semana maluca consistia em fazer de noite o mesmo como se fosse de dia.

  Na prova de choque (prova da sede), fazíamos a barba com o orvalho das tendas pois só tínhamos um cantil de água por dia. À noite rastejávamos até aos tanques de água e pingo a pingo voltávamos a encher os cantis, para assim colmatar alguma necessidades de hidratação.

  Um dos meus camaradas que tinha vindo comigo de N. Lisboa foi mordido por um insecto e o corpo ficou todo inchado. Mas se havia homem que queria ser Comando ele era um deles. Assim durante um certo período o grupo ia-o ajudando no que podia para ele não ser enviado para Luanda o que seria o fim do seu sonho, mas o corpo não aguentou e um helicóptero levou-o para o hospital militar.

  Os treinos eram intensos, quando chegava a altura do “rancho” ficávamos alinhadinhos ali junto às mesas enquanto o “Donne Moi Ma Chance» (música “não oficial” dos Comandos) tocava e depois lá vinha mais uma palestra sobre o que é ser «Comando» e a barriga a dar horas.

  Há uma música que ainda hoje, quando corro, mentalmente a toco e assim compasso a minha passada de corrida.

  Um dia numa «queda na máscara» escorrego numa pedra solta, e bato com a clavícula na coronha da arma. Fractura da mesma, Hospital Militar e assim tudo se acabou.

  Os grupos formaram a 2044ª Companhia de Comandos.

Dondo

Muitos eram os mancebos que demandaram de toda a Angola para a EAMA em janeiro de 1973.

Enquanto os que não eram de Nova Lisboa tiveram que se desenrascar, arranjar quem lhes lavasse a roupa, quarto e local para almoçar e jantar aquando saíssem ao fim de semana do quartel, os de Nova Lisboa tinham os familiares para lá do arame, para recolherem a roupa suja e abastecer de víveres o "armazém" que cada um tinha nos seus armários.

A comida que davam na EAMA não era má mas, de vez em quando, o peixe vinha a "sorrir" pois a carne já não fazia parte da cartilagem que a agarrava.

Com tantos recrutas, muitas foram as camionetas da EVA que a 27 de janeiro "despejaram" das suas entranhas, aqueles jovens sem saberem ao certo ao que iam mas com uma vontade enorme em ultrapassar as dificuldades.

De Luanda para Nova Lisboa, o local de paragem sempre foi no Dondo para um desentorpecer de pernas e refrescar as gargantas. Local onde as massas atmosféricas quentes e frias se chocavam e era um riscar de raios no céu, que fazia com que houvesse muitas demandas de Luanda para ver tamanho espetáculo.

Conforme fomos para Nova Lisboa nos autocarros da EVA, também aos fins-de-semana quando podíamos, fazia-se a viagem de regresso.

Autocarros cheios. Aqui e ali, um jogar de cartas, outros dormitavam e outros nos quais me incluía, estragavam aquilo tudo com cantilenas que nunca mais acabavam e chatas cumó catano.

"Um chapéu aos quadradinhos
Dois chapéus aos quadrinhos
Três chapéus aos quadradiiiiinhos
Quatro chapéus aos quadradinhos..."

... e a lenga-lenga nunca mais acabava, chegava aos cem chapéus aos quadradinhos.

O pessoal barafustava, Sapatos voavam mas nós cansados de tantos chapéus continuávamos desta vez com:

"Se um elefante incomoda muita gente
Dois elefantes incomodam muito mais
Se três elefantes incomodam muita gente..."

... e os "elefantes" continuavam até à exaustão.

Depois entravamos todos na letargia e, através dos vidros, viam-se as árvores, a savana, aqui e ali uma aldeia, e de repente o nosso corpo começava a despertar. O sangue começa a fluir com mais força, os desejos a ficarem descontrolados. Estávamos a deixar a zona fria e a chegar à zona quente. Estávamos a chegar ao Dondo, dali a Luanda era um pulinho.

fotos. camioneta da EVA, Igreja no Dondo e placa toponímica.


Nova Lisboa - A Cidade

  Cidade virada para o progresso, onde não faltam monumentos e jardins e onde todos os dias se levantam novas estruturas para novos prédios. A característica desta cidade é a falta de movimento. É muito pacata, uma cidade onde a limpeza impera e embora não tendo praias tem outras belezas nos morros que a circundam.

  Escrevi isto sobre Nova Lisboa em 1973.

  A ideia inicial quando conheci Nova Lisboa, era de uma cidade pacata demais para o meu gosto habituado ao bulício da cidade de Luanda. Meses mais tarde não queria outra coisa. Apaixonei-me por esta cidade.

  Nos fins-de-semana, quase sempre, hospedava-me na «Pensão Mimo», creio que se situava perto de umas bombas de gasolina numa rua paralela ao Ruacaná. Depois com o tempo passava-os no Hotel Turismo. Lembro-me de me levantar, ir para a varanda do Hotel e sentir o pulsar da cidade a “acordar”. O tempo, esse, era magnífico. Ao contrário do clima de Luanda quente e húmido, em Nova Lisboa o tempo era fresco e quase sempre havia uma neblina matinal e como eu gostava de sentir o fresco da manhã ali naquela varanda.

  Os cinemas a que ia frequentemente eram ao “Ruacaná” e ao “Cine Estúdio 404” (dizia na altura que era mais ou menos o estilo do Cinema S. Paulo no Bº S. Paulo – o meu bairro - em Luanda). Francamente 34 anos passados já não sei situar esse cinema em Nova Lisboa.

  A melhor casa de modas, a “Nova York”, com diversas secções cada uma apresentando os seus artigos (escrevi que eram como os “Armazéns do Minho” da baixa de Luanda).


  Um jardim que muito frequentava era o Jardim da Praça Salazar perto do Ruacaná onde passava horas a ler (comprava os livros na “Livraria Lello”), onde haviam umas árvores que “pingavam”. Um camarada disse-me que eram conhecidas por “árvores choronas”. Choronas ou não, era um jardim muito bonito, como eram quase todos os jardins desta cidade, com uma fonte, a «Fonte Luminosa», com um espectáculo de luzes ao anoitecer.


  O Restaurante que muito frequentei, estava situado mesmo em frente a este jardim, era o “Koringas”. Ali tomava as minhas refeições.

  Também fui algumas vezes até ao Restaurante “Imbondeiro”.

  “Se alguém passar a vosso lado e vos segredar em vós de desânimo procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império expulsai-os do convívio da Nação”.

  Palavras de Norton de Matos fundador da Cidade de Nova Lisboa, que se encontravam inscritas na coluna do monumento a ele dedicado na Praça Manuel Arriaga.   As figuras de mulher esculpidas no monumento representam um dado atributo ao fundador desta cidade: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança.


  Em frente ao monumento eram os Correios (belo edifício).

  Na imagem em baixo do lado esq., uma escola do Ensino Secundário na Rua 5 de Outubro rua que nos levava ao Ruacaná. No jardim, no lado dto, havia uma Gelataria chamada “Veneza” onde os estudantes esgotavam o stock de semi-frios rapidamente. Havia também o Himalaia onde, além dos gelados, tinha um bom vinho verde e muitas imperiais lá bebi.


  Haviam dois mercados Municipais, um na cidade Alta com uma arquitectura moderna...


  … E um outro mais antigo na Praça Vicente Ferreira (com um Monumento muito bem conseguido). Um mercado bem mais pequeno e com poucas bancas de venda no seu interior.


  Havia uma piscina do “Club” du Chemin de Fer como diz aqui o meu postal, ou seja, a Piscina do “Ferrovia” piscina que nunca frequentei. Já bastavam os banhos na lagoa lá no quartel.


  Nova Lisboa era uma cidade jardim. A Estufa-Fria perto do jardim Américo Tomás era de visita obrigatória e eu, claro, estive lá.


Com alguns camaradas em frente à Estufa.


  Bairros de Nova Lisboa tinham nomes de Santos, S. Pedro, S. João (este muito conhecido). Outros eram o Bº do Benfica, S. António, Académico, do C.F.B., Cavalo Branco mas um dos Bairros que me lembro bem era o Bº Bom-Pastor perto do Mambroa (campo do Benfica do Huambo). Perto do bairro havia um bosque frondoso com pinheiros onde corria uma brisa fresca e suave (escrevi isto na altura). Era ali que muitas vezes a tropa descansava a “piquenicar”. Faço referência também ao “Estádio de Cacilhas” no Bairro do Cacilhas, foi lá jogar o Boavista em 29 Abril de 1973.   Fazia-se por lá, uma feira onde a diversão imperava, com carrinhos de choque, carrosséis e umas boas febras se comiam nas barracas de comes e bebes, ainda lá perdi 50 “paus” num jogo que não me lembro qual.

  Em 7 de Abril de 1973 escrevia: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.

  Um ano e alguns dias depois mudaram-se os tempos, as vontades eram de continuar num país que tinha espaço para todos. Infelizmente assim não aconteceu e, a Nova Lisboa que conheci, foi derrubada ao som de tiros e morteiradas. Hoje só resta a lembrança.


  Em Junho fui para os «Comandos» em Luanda, nunca mais voltei a Nova Lisboa.

27.9.08

Nova Lisboa - E.A.M.A.


27 de Janeiro de 1973 - Sábado

  A camioneta da E.V.A. (Empresa de Viação de Angola) faz-se ao caminho cheio de mancebos que iam para a E.A.M.A. (Escola de Aplicação Militar de Angola) sediada em Nova Lisboa para o curso de Sargentos Milicianos. 650 Km era a distância entre a asa da mãe e o "nascer" de um novo ser independente.

Camionetas da EVA


  Chegamos por volta das 5h30m da tarde e a chover, vejam lá o nosso azar (durante a semana a chuva foi uma constante), fomos separados por companhias. Um capitão, de quem já não me lembro o nome (alcunha Xiritung), à nossa chegada disse que era bom irem para a companhia dele pois era uma companhia só para homens. Segundo o que mais tarde me disseram, esse capitão fez parte de um grupo que, no ataque aos acampamentos dos guerrilheiros, abriam a porta das cubatas ao pontapé, só que um dia houve um azar, as portas estavam armadilhadas e ele viu morrerem alguns soldados, a partir daí nunca mais se recompôs e enviá-lo para a E.A.M.A. foi o melhor recurso. De uma forma ou de outra acabei por não ficar nessa companhia.

  Distribuídas as dormidas, no dia seguinte foi a vez de formar à civil, à chuva, e levantar o fardamento. Tivemos um companheiro que teve que fazer a instrução durante duas semanas com a roupa civil pois não havia fardamento que lhe servisse tal era o arcaboiço dele.

Em 1960 ainda não tinha o A final


  A minha companhia era composta por dois ladrões, um sargento e um capitão. Chegados ao fim do mês o pré era de tal maneira ridículo que nem dava para um baleizão (gelado).

  Pela primeira vez, que eu saiba, houve um levantamento de pré (isto em 1973), e todos nós recusámos receber o mesmo. O capitão viu o caso mal parado e tentou “comprar” os nossos líderes, enviando-os ao sargento e este à boca do cofre quis comprá-los só que aquela companhia não era uma companhia qualquer, já soprava os ventos da mudança e à recusa lá tiveram que abrir os cordões à bolsa. Ironia do destino, anos mais tarde, já eu estava em Cabinda, foi este Capitão que levou o Zeca, Adriano, Fausto e outros Cantores de Intervenção até ao Cinema Chiloango onde eu tive o prazer de cantar em pleno palco, de braço dado com o Zeca, «Grândola, Vila Morena», e tantas outras baladas que ouvia em surdina em Nova Lisboa e lá no interior do mar vegetal de seu nome Maiombe.

  A recruta foi o que se esperava. Como tinha sempre praticado desporto os exercícios não eram por demais, e aos vinte anos o corpo aguenta tudo. Na lagoa dávamos os nossos “mergulhos”, com arma, camuflado, botas e chafurdávamos na lama onde os porcos chafurdavam também. Lembro-me que um dia todo eu era lama, fui para debaixo do chuveiro fardado com arma e tudo. Depois de limpa a arma e cartucheiras às duas horas estava-me a deitar e às 5 e 30 a levantar para mais um dia de instrução.

A lagoa lá ao fundo


  Ao fim-de-semana a tentativa ou para ir até à cidade ou até Luanda. Alinhadinhos havia a revista para ver se estava tudo nos conformes. Cabelo curto mas com “pelugem” no pescoço, sapatos engraxados mas que a uma pisadela deixavam de estar, barba feita, mais que feita, mas que ao passar de um papel fazia o ruído característico era o suficiente para se dizer adeus à saída.

  Com o tempo iríamos aprender a contornar essas dificuldades e quase sempre à noite fazíamos um giro até à cidade.

  E o tempo foi passando, aprendemos a sobreviver comendo o que a natureza dava, éramos largados à noite em locais inóspitos e através das estrelas, de uma bússola e de um mapa lá tínhamos que chegar ao quartel. Saídas do quartel e correr por essa Nova Lisboa fora e as miúdas a olhar para aqueles rostos de crianças feitos homens.

  Tiros e mais tiros na carreira de tiro para aperfeiçoar a pontaria. Havia na minha companhia um companheiro que tinha um problema, levantava a perna e o braço do mesmo lado. Não sei como o conseguia mas certo é que tinha esse problema. Na carreira de tiro o alvo dele estava sempre sem buracos, o alvo do companheiro ao lado tinha mais buracos que o normal, quando no fim da recruta saiu a listagem dos aprovados lá estava o nome dele como aprovado para… «Básico». Muito ele chorou.

No pórtico

O pórtico

  A 14 de Março a injecção "cavalar" que iria tentar nos colocar imunes contra todo o tipo de doenças. Todos em fila de "pirilau", vinha um enfermeiro colocava a agulha na omoplata e outro seringava o líquido. Alguns caíam desmaiados logo ali, outros, com essa injecção, acabaram por ficar doentes.

  15 de Abril de 1973 fim da recruta, dia do Juramento. Na parada, com tacos enfiados no chão a servirem de guia para a coreografia que iríamos fazer, o nosso pelotão cantou em plenos pulmões ao som da Balada dos Boinas Verdes (Ballad of the green beret), a canção que nos uniu durante aqueles três meses.

HINO AO 3º PELOTÃO

Cabelo ao vento,
Vontade forte,
Alegria de viver,
3º grupo, vai a passar,
“Água-Viva” a comandar.

Já lá vamos,
Para a sessão,
Cabeça erguida,
G3 na mão,
Progredindo, sempre em corrida,
A ti amigo, dá-mos a mão.

Não desanimes, ó camarada,
Pois a recruta, está acabada,
3º grupo, sempre a marchar,
Muitas saudades, irá deixar.

Canta comigo, esta canção,
Ela é mensagem, de paz e amor,
É a palavra, a oração,
É o campo de trigo em flor.

aspirante – Godinho (Água-Viva)
furriel – Seguier
cabo-milic. – Ribeiro


Especialidade - EAMA - Maio 1973

Em cima: Eu, Pereira, Teodoro e Rui Rosa Em baixo:Gorgulho e Hermínio

26.9.08

My Name Is...

Sobre um tema musical enviado da Bélgica num cd por um amigo:

"Ô Mariô"


Este tema é muito parecido com a batida da música do povo cabindense, muito ao estilo da congolesa e nada a ver com o de Angola.

Neste meu escrito há um certo tipo de linguagem típica, e uma passagem que me aconteceu junto à fronteira, com o Congo Kinshasa, num aquartelamento dos TE's.

Então vamos ao tema com título tipo James Bond.




Marius e a sua Bond Girl (passar "rato" na imagem)


  Nunca pensei que era assim tão conhecido. Bastou dar um pequeno passo para lá da fronteira e o meu nome repercutiu de uma maneira que ainda hoje sou recordado, quiçá, com uma saudade tal que nem o tempo nem a distância fez esmorecer.

  Será que foi isso ou foi quando, na esteira com a "dama", marius sentiu repenicar os sinos da aldeia mais próxima que ficava a bué quilómetros de distância?!...

- «Vou perguntar nela, se ainda me recorda ou se foi casos di momento, na hora!... Pôxa, mas cerveja estava quente, nem deu para arrefecer os corpo que é assim qui se faz, a gente apaga os fogo com os frio da cerveja, mas não!... cerveja de litro voou naquele capim, até pensava que tinha tido uma insulação».

  Ô mariô, ginga aí, que dama já vem bamboleando o corpo, mesmo que tudo em volta seja marimbondo tu não queres saber. Ôi!... puxa no rebita…

  Vamos no “Kussunguila” e, à noite, vamos na tabanca do Ti Januário em «Tando-Zinze», beber uma Primus, comer uma “paracuca”, ver as estrelas que vida não espera,... nem esteira.

  Meu nome é nome de mar e rio. Mar que vi, vejo e continuarei a ver, o Atlântico, rio, de seu nome Chiloango, nunca mais.

  Ô Mariô…


O meu agradecimento ao amigo Kelbeaumec (na Bélgica), pelo envio da música