A Tua Vontade é a Tua Vitória

28.2.18

Adeus Amigo, Companheiro e Camarada de Armas

Conhecemo-nos na Escola Industrial de Luanda onde fomos companheiros do mesmo ano pois nascemos em 52. Tornámo-nos amigos e deu-se o caso de vir a namorar com uma colega na firma onde eu era desenhador, EDAL - Estofos de Angola quando eu já era trabalhador/estudante.

A Amizade manteve-se pela proximidade, e em 1973 estivemos no curso de Sargentos na EAMA em Nova Lisboa, Huambo.

Depois dos testes para os Comandos, fomos para o 27º curso em Luanda. A camaradagem manteve-se e como grandes Amigos que éramos, sempre numa de entreajuda quando as provas eram mais a doer ou em momentos de repouso, a conversa no dia a dia para ir suplantando a dureza das provas físicas.

Como estávamos em Luanda aproveitávamos os fins de semana para ir namorar com as respetivas.

Ele foi Comando da 2044ª Companhia e eu fui para Cabinda. Mas nem a distância fez esquecer a Amizade e no dia do seu casamento eu estava lá com a minha namorada, hoje minha mulher.

Depois da guerra civil perdi-lhe o rasto e, como aconteceu com outros meus Amigos e Camaradas, durante anos procurei saber onde ele estava. Ao fim de muitos anos soube que estava na África do Sul.

.. e através da net, voltamos a comunicar 40 anos depois. Ficamos de nos encontrar quando ele viesse a Lisboa para mais um encontro da malta dos Comandos. Infelizmente, devido a uma impossibilidade da minha parte, não foi possível esse reencontro. Seria este ano, mas ele disse-me que dificilmente viria e eu não sabia a razão. Depois soube... um cancro alastrava. Morreu esta manhã.

Para ti Amigo, Companheiro e Camarada as minhas lágrimas.

Que descanses em Paz, um dia irei reunir-me a ti e iremos ter o reencontro que aqui não tivemos.

O distintivo da minha boina de Comando na tua foto Rod Rodrigues, representa a grande Amizade que tínhamos e das vezes que me chamavas "mano" sem nunca o termos sido.

"Os Comandos não morrem, reagrupam-se no inferno"

Até um dia!


6.2.18

Furriel Lima

Junho de 1973 – EAMA – Especialidade

Depois de ter sido escolhido para ir para os Comandos, havia que fazer umas provas para verificar se tínhamos espírito guerreiro para um dia no colocar da boina e do crachá no peito ouvir: «"QUERES SER COMANDO? QUERO!!! ENTÃO VAI E CUMPRE O TEU DEVER.»

E eu que tinha sido escolhido para o ser iria fazer tudo o que pudesse para ouvir essa frase

Na prova de corrida fico em 2º lugar. No boxe inicialmente não estava para andar ali a dar murros num amigo meu, mas aos gritos do vai-te a ele, não sejam meninas, lá teve que ser.

27º Curso dos Comandos – C.I.C. – Cazenga

12 de junho de 1973

Voltei a Luanda juntamente com os meus camaradas da EAMA que tinham passado nos testes. Distribuídas as camaratas, verificámos que a G3 tinha não balas de salva como na EAMA, mas sim balas que perfuram o corpo de quem as recebe. Eram balas verdadeiras.

Formam-se os grupos. Alinhados na Parada, ficaríamos a saber quem nos iria comandar durante os meses de instrução. Fala-se no Furriel Luz, no Furriel Magalhães, que nos diziam que era mau como as cobras, e quem nos aparece é o Furriel Lima (curiosamente não me lembro do nome de nenhum dos Alferes)

Ali estava o Lima em frente a nós. T-shirt branca, perna aberta, mãos atrás das costas, perfil orgulhoso, rosto bem vincado, um Comando à maneira. Feitas as apresentações, os conselhos, o orgulho de podermos pertencer àquela força especial e a retirada então para a camarata e começar a preparar tudo o que iríamos necessitar durante aqueles três meses que iria durar o Curso.

Muito sofremos naquela instrução. Muitos ficaram pelo caminho e muito o Furriel Lima me incentivou para que vencesse os obstáculos quando eles já me pareciam enormes, tal o cansaço adquirido. Mas cada dia que passava tornava-me mais forte.

Pegava na minha G3 limpinha. Falava comigo, colocava o cano na areia e olhando depois para ela dizia que eram só pedregulhos que via dentro do cano… Pudera!

E lá tínhamos que pagar, flexões atrás de flexões, rebolar, carregar o companheiro às costas e correr com ele, tudo isto com incentivos, mas também com muito sangue, suor e lágrimas.

Um dia todos em círculo, arma nas mãos com os braços estendidos, quem ganhasse teria o fim-de-semana garantido. E a arma que pesava cerca de 5kg com o carregador municiado começou a pesar “toneladas”. Um a um iam desistindo. Fiquei eu mais outro camarada. Os dois últimos, um iria a casa. O corpo todo torcido para trás, a tentar que os braços não descaíssem e o Furriel Lima talvez por eu ser Lima também diz-me: «Lima tens que vencer».

E o meu camarada descai por fim os braços. Tinha ganho.

“Queda na máscara”. Ao fazer o gesto normal da queda com a G3, resvalo numa pedra, bato com a clavícula na coronha e hospital comigo. Braço entrapado, mas tanto o Alferes como o Furriel Lima, contavam comigo. Dentro dos meus limites ia fazendo a instrução, mas estava escrito que nunca seria Comando. Quando já estava sem limitações nova queda e esta parva, num jogo de futebol nos Maristas em Luanda. E foi o fim do sonho.

O Furriel Lima olhou para mim e desejou-me sorte. Fiquei no C.I.C. até um dia ver os meus camaradas a receberem o crachá (12 de outubro de 1973). Em Dezembro fui para Cabinda.

1974 - Recebo a notícia, o Furriel Lima tinha morrido numa emboscada em Cabinda (16Jun74 na zona de Caio Guembo). Fiquei transtornado. O “meu” Furriel tinha morrido. Inicialmente deram-me uma versão que não correspondia à verdade dos factos. Anos mais tarde soube que fora por deflagração de uma mina A/P (antipessoal).

Para ti Amigo Lima estejas onde estiveres nunca por mim foste esquecido. Um dia lá no alto, vais fazer com que eu receba o crachá. O crachá que com orgulho exibias e que eu nunca recebi.

P.S, - o meu agradecimento ao filho do Furriel Lima, Helder Gonçalves, pela autorização de poder utilizar fotos do Pai neste meu tema.



Recorte do Diário de Lisboa onde noticia a morte de três camaradas entre eles o do Furriel Lima.