A Tua Vontade é a Tua Vitória

21.8.19

Museu dos Combatentes - Forte do Bom Sucesso

O Monumento - Objectivos (este é um deles)

1 - Cumprir um acto de justiça, de homenagem àqueles que, como Combatentes, serviram Portugal no ex-Ultramar português.

Sabia da sua existência, mas não sabia onde estava situado.

Na minha demanda por Belém, vi uma placa a assinalar o Museu. Tinha que o ver.

Fui confrontado com um belíssimo pórtico. Nas paredes do Museu, milhares de nomes dos que tinham tombado na guerra do Ultramar. Percorri os anos; 1963...1964... 1974. Era este ano que procurava.

Ali estava o nome dele na lista, Hélder Santos Lima - Furriel.

Fiquei comovido, as lágrimas assomaram, O Furriel Lima tinha sido meu instrutor nos Comandos. Morrera em Cabinda em 16Jun74 na zona de Caio Guembo, na deflagração de uma mina antipessoal. Deixara um filho ainda bebé.

Sentei-me e ali estive algum tempo recordando-o:

"Um dia todos em círculo, arma nas mãos com os braços estendidos, quem ganhasse teria o fim-de-semana garantido. E a arma que pesava cerca de 5kg com o carregador municiado começou a pesar “toneladas”. Um a um iam desistindo. Fiquei eu mais outro camarada. Os dois últimos, um iria a casa. O corpo todo torcido para trás, a tentar que os braços não descaíssem e o Furriel Lima talvez por eu ser Lima também diz-me: «Lima, tens que vencer».

E o meu camarada descai por fim os braços. Tinha ganho."

Levantei-me e, ainda com os olhos emudecidos, fui visitar o museu.

PS - Aqui não estão todas as fotos que tirei. É só uma pequena amostra. Este museu, para quem esteve a combater no Ultramar, é digno de se ver.


2.8.19

O paludismo

Na recruta, apanhávamos uma injeção que designávamos por 'injeção cavalar' (a vacina era injetada nas costas, junto à omoplata) que, por princípio, nos tornava imunes às doenças tropicais. Tomei-a na EAMA mas, como se veio a verificar, a injeção não era infalível. Uns dias no mato, com patrulhas a pé de cinco dias, a beber água dos charcos, e sabíamos bem que no interior do Maiombe os charcos ficavam ali semanas, propícios para as larvas dos mosquitos, e com tanta picadela, há sempre uma altura que o corpo cede.

Pouco tempo estava em Tando Zinze quando comecei a ter febre e, ao tomar banho na nossa messe de sargentos, o corpo começa a tremer. Sem saber o que era, tomo banho rapidamente e lençóis comigo. Era dia 3 de janeiro de 1974. Os suores continuavam e como com a idade de 22 anos não há andropausa, só podia ser uma coisa... Paludismo.

Era a 2ª vez que tinha. A primeira tinha sido como civil e estive uma semana de cama em Luanda (tive uma terceira vez que quase foi necessário chamar o helicóptero para ir para o Hospital de Cabinda, pois o meu estado de saúde estava muito agravado. Felizmente recuperei). O enfermeiro lá me deu uma injeção e 'violou-me' com dois supositórios. Nessa noite nem comi e foi uma noite terrível.

Estava eu na minha caminha (parece a guerra do Solnado), quando me acordaram pois tinha que ir no MVL para Cabinda onde iria fazer uma pequena cirurgia, devido a uma unha encravada dos tais jogos de bola. Como era habitual, nesse dia chovia e de que maneira. Mesmo com o impermeável a chuva entrou-me pelo corpo e se doente estava mais doente fiquei. Só que a cirurgia era no dia seguinte (sábado). Fico em casa de um conhecido onde tinha a minha roupa civil e, nessa tarde, deu-me para ir passear por Cabinda.

Volta o corpo a tremer, entro num bar e peço um copo de leite. O barman olha para mim e aquela cabeça deve ter-me chamado de 'copinho de leite'. "Onde já se viu um mancebo a pedir um copo de leite?! Uma cerveja sim, bem fresquinha... agora um copo de leite? Bah... já não há homens como dantes!"

Mais valia ter pedido a cerveja. Fico agoniado, quase que caio, os ouvidos a zumbir e não era das moscas, e uma névoa se forma nos meus olhos. Sento-me, cabeça entre as pernas e lá recuperei. Pago e cama comigo. Doía-me todo o corpo, febre altíssima. Tomo dois comprimidos, mas dormir nada.

No dia seguinte fico sem unha, dedo entrapado, mas mesmo a pé coxinho a cidade era para ser visitada pois terça-feira iria de novo para o mato e havia que aproveitar os dias.

Coisas do destino, nessa noite fui ao cinema Chiloango ver o filme "Hospital". Tal como Maomé, como não fui para o Hospital, veio o "Hospital" até mim.

Na manhã do dia seguinte, vou ver a chegada do Governador Fernando Santos e Castro que iria inaugurar as novas áreas operacionais do aeroporto e do porto da cidade.

Foi com um calor terrível que voltei para o aquartelamento em Tando Zinze, onde mais patrulhas de dias no mato, me esperavam.

foto: aqui na 3ª vez que estive com paludismo. Estava no início da doença que quase me levava de 'charola' para Cabinda.


autor: 2º sargento Maurício