A Tua Vontade é a Tua Vitória

20.1.20

Curso de minas e armadilhas

28 de fevereiro de 1974

Enquanto escrevia para Luanda dizendo que tinha ido a Cabinda levando um grupo de combate e que partiria no dia seguinte para Miconge para onde fora destacado (Miconge era na época, um local muito flagelado pela artilharia inimiga), voava para Luanda, onde iria tirar o curso de minas e armadilhas.

Luanda, minha cidade é linda, é de bem querer, a minha cidade é linda, hei-de amá-la até morrer. Na altura Luanda seria o meu cemitério. Os ventos da história mudaram o curso dos acontecimentos…

Nesse curso aprendi tudo o que era minas e armadilhas. Efeitos e consequências. Como lidar no mato com possíveis fios atravessando a picada, o sentir por baixo do pé o click caraterístico de ter acionado uma mina… e no fim do curso teríamos que apresentar uma armadilha da nossa competência. A minha armadilha era uma caixa de um dentífrico onde o dentífrico seria um explosivo ligado por fios à tampa da caixa. Mal abria a caixa, os fios faziam contacto e detonava o explosivo. Hoje parece cruel, mas na época era a guerra e não se pode estar agora com moralismos bacocos, ou eram eles ou nós. "A Guerra é a Guerra" como bem diz Fausto Bordalo Dias.

Findo o curso fiquei nos Adidos à espera de embarque para Cabinda. Um dia ao apresentar o grupo ao Comandante dei um passo à Comando que até o Comandante que estava perto de mim teve que recuar. Chegou-se ao pé do meu ouvido e perguntou: «Nosso Furriel, você esteve numa tropa especial?» - Sim meu Comandante, estive nos Comandos - «Para a próxima dê o passo à tropa normal que aqui não há Comandos». Até suei.

Andei por ali umas semanas e admirava muito não ser chamado para embarcar para Cabinda, mas como estava na minha cidade, quanto mais tarde melhor.

Um primeiro-sargento de tanto me ver, perguntou-me a razão de lá estar há tanto tempo. Expliquei a razão e ele perguntou-me se tinha entregado a guia de marcha. A guia de marcha? Não - respondi eu. Pois tinha-me esquecido de entregar a guia e no dia 20 de março de 1974, apanho o avião para Cabinda, de volta ao Maiombe, a Tando Zinze.

foto sargento Maurício:

Eu, (?) e Pinto, no quartel de Tando-Zinze.

15.1.20

A Última Noite

Passeava absorto nos seus pensamentos. Ia muitas vezes, sozinho, por aquele trilho de terra vermelha. Ladeando o caminho, de cor clara, as limbas, árvores de grande porte que podem atingir a altura de 50 metros, predominavam. Os cheiros da floresta tropical, os sons da fauna que mal se via tal o emaranhado de cipós, de ramos entrelaçados que impediam a sua visualização sem esforço, eram uma bênção da natureza. Estava no Maiombe.

O trilho ia dar ao rio que corria paralelo à aldeia de Tchinguinguili. Senta-se e vê-a. Compenetrada na sua tarefa, não se apercebe que estava a ser observada. Lavava ali a roupa naquele rio de água cálida e cristalina que, em certos sítios, caía em cascata, local onde as nativas tomavam banho.

O seu corpo luzidio, estava seminu. O cabelo arranjado, um olhar aberto, os dentes alvos, um corpo de gazela. Cantarolava uma cantiga em ibinda, língua natural do povo de Cabinda.

Ela, de repente, sente que está a ser observada. Olham olhos nos olhos e foi como se ali, algo tivesse ligado os olhares. Houve uma empatia imediata entre os dois.

Pegando na trouxa de roupa, dirige-se para a povoação. Ele, fica ainda ali por momentos, como se aquela aparição tivesse sido um cometa que tivesse passado e deixasse rasto da sua luz.

Volta a vê-la tempos depois. O coração dele transbordava de alegria por a ver de novo. Não sabia quem era, o seu nome, se casada, se solteira. Viria a saber depois. Era casada, mas o marido há muito que não a procurava. Passava os dias bêbado com o maruvo (bebida alcoólica resultante da seiva das palmeiras), na companhia dos amigos.

E iam-se encontrando, aqui e ali, até que um dia tiveram mais um tempo juntos. Num local idílico, ali se beijaram. O mundo era só deles, nada mais existia.

O tempo da comissão estava a acabar. Em breve ele voltaria para a sua unidade e regressaria à procedência.

Resolveram encontrar-se numa noite perto do local onde se tinham visto pela primeira vez. O homem com a bebedeira dormia até tarde, nem notaria a falta dela.

A noite estava linda. Ela, vestida com o traje típico, com a esteira, aguardava-o. Ele, de camuflado, levava um cobertor que as noites no Maiombe são húmidas e frescas.

Deitaram-se sob a luz das estrelas. Amaram-se como se não existisse amanhã. Sem preconceitos ou tabus, o amor pelo amor. Adormeceram exaustos.

O sol vai penetrando nas copas das árvores e desperta-os. A mão dele estava sobre o peito daquela mulher. Os olhos dela pareciam estrelas que tinham caído do céu e ali tinham ficado. Foram até ao rio. Banharam-se, mas o tempo urgia. Vestiram-se. Ela com a mão faz um débil movimento, ele, com o olhar, diz-lhe … Adeus!


Este conto é ficção. Qualquer semelhança com factos ou situações da vida real, é mera coincidência.