A Tua Vontade é a Tua Vitória

18.12.18

Tesourinhos...

Impressionante, ao fim de 44 anos, ainda tenho as faturas das compras que fiz na tropa em Cabinda, relativamente a um rádio giradisco (muito em voga na época) no valor de 4.500 escudos, uns auscultadores (1.350 escudos), comprados na Manjarona a 29/3/1974 e a 23/7/1974 respetivamente, uma aparelhagem "National Panasonic", no valor de 14.000 escudos em 23/7/1974, na Casa Americana Comercial, filial nº14 da Casa Americana de Luanda e um gravador (toca cassetes :) ) na Daniel e Oliveira, no valor de 4.300 escudos em 3/9/1974.

O rádio giradisco e o gravador já cumpriram a sua missão, os auscultadores velhinhos ainda os tenho, mas não uso, e a aparelhagem ainda toca e bem.

Em Cabinda não se pagava direitos aduaneiros e os preços eram mais em conta.

fotos: as faturas e eu num quarto em Cabinda (depois de ter saído de Tando Zinze, em dezembro de 1974), onde se pode ver os auscultadores, a aparelhagem e o gravador.

14.12.18

O quico

Hoje, "voltei" à floresta do Maiombe (Cabinda) no "meu" pinhal.

Quem sabe se há 43 anos atrás, no quartel em Tando Zinze, não estava também a olhar aquele "mar vegetal", com o quico na cabeça.

O tempo passa, mas as recordações ficam.

Tesourinhos...

(do fundo do baú)

Dia 11 de dezembro de 1973, vindo dos Comandos, embarquei em Luanda, já como Furriel Miliciano, na lancha "Alabarda", com destino a Cabinda.

Chego no dia 12 ao B.Caç11 e vou para o quartel em Tando Zinze no MVL (Movimento Viaturas Logístico) no dia 13. Já lá vão 45 anos

O que me resta desse tempo? Fotos, cartas, alguns postais e ao mexer no "baú", encontro o meu "Quico" com abas de grilo e a minha boina.

O resto do uniforme, a traça, durante a viagem Angola/Portugal, traçou-lhe o destino.

Passados todos estes anos reparei ao colocar a boina, que esta com o tempo encolheu, ou o meu crânio cresceu (não sei se o cérebro acompanhou o aumento craniano, mas penso que sim :) )

21.11.18

A "Primus"

Primus - cerveja congolesa

16 de julho de 1974 - Tando Zinze

A Companhia tinha sido informada de que havia tropas do Congo do nosso lado (Cabinda). Rapidamente o meu grupo avançou para o local onde diziam ter visto as tropas. Embora levasse a minha metralhadora Hk21, ia com um certo receio (não confundir com medo, pois nunca tive medo de nada) pois era eu que ia à frente (quando nos deslocávamos para a mata em patrulha nenhum dos graduados levava divisas).

Andámos muitos km, já a metralhadora me pesava e de tropas congolesas nada. Chegámos junto à fronteira com o Congo Kinshasa e um autóctone que trabalhava numa roça perto, disse-nos que as tropas já tinham ido para o Congo e levaram com eles 18 mulheres. Eram congolesas e tinham vindo fazer contrabando com os de Cabinda. Respirei aliviado.

Como já era tarde iríamos pernoitar em Chingundo no quartel dos T.E's. (tropas especiais. Antigos guerrilheiros que se entregaram às tropas portuguesas)

Chegados lá, houve logo quem se dirigi-se a nós perguntando se não estávamos interessados em passar uma noite agradável, em boa companhia.

Seriam congolesas as damas dessa noite na esteira. Uns sim outros não, conforme o preço apresentado.

Enquanto se aguardava, há que comer e beber a famosa "Primus". De bom sabor, ao fim de algum beber torna-se enjoativa, mas ali no meio do mato, todas as cervejas são boas.

Como não há frigoríficos (em Angola designam-se por geleiras), há que bebê-la mesmo quente. Litros emborcados e eis que chegam as damas.

Quartos arranjados e os felizardos seguem para a esteira.

De repente vemos uma porta a abrir. Sai de lá um tropa aflito e vomita a cerveja para o mato. Aos nossos risos, a explicação foi dada, com os "balanços" a "Primus" entrou em "ebulição" e quente como estava, lá teve que sair para não sujar o corpo divinal que ali o aguardava.

Já sem vómitos, dirige-se para o quarto, fechando a porta atrás de si.


quartel dos T.E's (foto de Antonio Jose Santos)

cerveja Primus

21.8.18

Filhos de Branco - Tiros na Noite

Introito

Antes de começar só queria esclarecer uma coisa. O povo de Cabinda (de etnia Bakongo), é um povo orgulhoso. As mulheres que eram nossas lavadeiras, não eram obrigadas por nós tropa, a serem nossa companheira de esteira. Eram porque o queriam ser. Ao contrário do que muito se vê hoje, onde se troca de um companheir@ para outr@ como quem troca de camisa, as lavadeiras eram fiéis aos seus companheiros, até que estes se iam embora.

Depois arranjavam outro. As razões já as apontei num dos temas. Como é óbvio, elas não lavavam a roupa só de um tropa, mal delas, mas sim de vários, mas só com aquele que elas achavam que seria um bom companheiro, é que tinham relações.

O mal era quando engravidavam. O tropa não assumia a paternidade, pois não era para isso que tinham sexo na esteira, e daí haver em muitas aldeias africanas (e nas cidades) muitos filhos de branco que não sabem quem é o pai. Mas isso até nos tempos atuais existe.

«Deus criou o Homem e o Português criou o Mulato»

Feito o introito, vamos ao que interessa.

Sábado na aldeia era quase sempre dia de farra. Nas tabancas, na rua, num local onde se pudesse dançar, ali estava o povo. Era maravilhoso ver os corpos dançando ao som de ritmos de Cabinda que tendo influência congolesa, nada tinha a ver com a música do resto de Angola. Ao som de Franco, artista congolês muito em voga, a terra transformava-se em pó, sobre os pés dos dançarinos

Muitos tropas iam até à aldeia aproveitando para um passo de dança e... de maka (conflito, discórdia).

A bebida escorregava pelas gargantas, quase sempre a cerveja congolesa "Primus" (bastante suave e adocicada, mas que tem que ser bebida bem gelada, escrevi eu numa carta na época).

Depois de bem bebidos, começava a confusão. Tudo por causa das mulheres, ou porque não quis dançar com eles e foi dançar com outro, ou porque se fez um convite para uma viagem até à esteira e lhe foi negado, certo é que passado um tempo, aquilo era uma confusão, com tareia de todo o tamanho.

Ouviram-se tiros na noite. Alguns aldeões vieram ter connosco ao quartel, porque havia um tropa que andava lá aos tiros.

Formou-se um grupo e fomos até à aldeia. Desse tropa nem rasto.

Como já referi a partir de certa hora o gerador era desligado. Escuro como breu, fizemos revista às imediações e em algumas casas onde pudesse estar escondido. Dele nem vivalma.

Passamos a fazer a procura dentro do quartel. Não esquecendo que estava armado e bêbado, todo o cuidado era pouco. Ao fim de umas horas alguém se lembrou de irmos até ao poço que ficava quase no limite do quartel e ali estava ele. Tremia que nem varas verdes. Foi algemado ao pau da bandeira e ali ficou até ao amanhecer por castigo. Depois de uns dias na prisão, retomou o seu dia a dia na Companhia.

Nunca mais tivemos problemas, com bebedeiras, com os aldeões. Foi remédio santo.

A aldeia de Tchinguinguili (Tando Zinze)

Foto de Filipe Quintas - Inícios de 1975

20.8.18

Filhos de Branco - Sexo na Esteira

Dormir na esteira é tipicamente africano. Quando os "defensores de causas" se referem ao facto do africano dormir na esteira e o caucasiano dormir numa cama e veem nisso motivo discriminatório, é porque não percebem nada das culturas dos povos. É como compararem uma cubata feita de folhas, palha, coberta de barro de uma aldeia africana, e as casas de cimento de uma aldeia caucasiana.

Quando ia de patrulha levava também a minha esteira. Três/quatro dias na floresta do Maiombe, à noite deitava-me debaixo dos cafeeiros, de uma árvore de grande porte, estendia a esteira, colocava o poncho (impermeável) por cima, fazia do saco, que transportava as rações de reserva, o meu travesseiro e ali dormia, muitas vezes enregelado e a chover.

As casas da aldeia onde estive na tropa, eram quase todas típicas. Aqui e ali, viam-se algumas em cimento mas a maioria não.

Assim era o local onde dormiam. Umas já tinham camas com colchão de palha, mas a maioria dormia na esteira.

O chão era de terra. As lavadeiras era ali que recebiam os seus companheiros para mais um momento de sexo.

Nessa noite estava de piquete como sargento de guarda. Tinha como missão percorrer o quartel e, com palavras passe, saber se as sentinelas estavam em alerta ou dormiam.

Antes da porta de armas encerrar, lá iam alguns tropas até a aldeia, para mais uma noite passada na esteira.

Aquele furriel tinha chegado há pouco ao quartel. Lá arranjou uma lavadeira e era essa a primeira noite que ia passar com ela.

Sentado na cadeira em frente à messe dos sargentos, olhava para aquele céu estrelado. O gerador já há muito que tinha deixado de funcionar. Esse gerador também fornecia energia à aldeia. O silêncio era absoluto.

De repente ouço alguém chamar-me: «Lima, vem aqui». A voz vinha da porta de armas.

Quando lá cheguei, com as cautelas devidas, era o nosso furriel que regressava da aldeia. Estranhei pois, não era costume aparecer alguém àquela hora e ainda por cima ele que ia fazer o seu batismo na esteira.

- «Já de regresso»?

E então contou-me ele.

- «Sabes, deitei-me na esteira mais a lavadeira, eh pá, depois de uma primeira vez, ela ainda não satisfeita, enroscou-se de novo e eu, embora já cansado, lá consegui. O pior foi depois. Estava já quase a dormir, quando comecei a sentir algo a subir pelo corpo e comecei a ter uma tremenda comichão. Eram bichos que faziam do meu corpo o seu pasto. Era tanta a bicharada, que eu até pensava que podia vir algum lacrau que me mordesse e ali ficava.»

- «E a lavadeira?!» - perguntei eu.

- «Essa dormia e bem. Deve estar habituada e nem conta estava a dar da bicharada. Então levantei-me e ela acordou. Onde vais? perguntou-me. Vou para o quartel. Não consigo dormir com estes bichos todos por cima de mim»

E assim fez. E às tantas, eu, perdido no silêncio da noite, ouvia o meu camarada de armas a contar-me a história da sua primeira noite passada numa esteira.

A meu lado, o cão que me acompanhava nas rondas, dormia.

foto de Ademar Campos - fazendo uma esteira


Filhos de Branco - Abandonada

Inicialmente na zona onde estive, as lavadeiras eram poucas, haviam os "lavadeiros", moços que iam ao quartel buscar a roupa e depois de pronta entregavam-na. Quando lá cheguei, dezembro de 1973, já as lavadeiras estavam "instituídas" e não me lembro de ver rapazes a fazerem esse serviço. Andavam sim, junto às oficinas e nada mais.

Ali estavam então à minha frente, a minha lavadeira e a lavadeira grávida. Um pouco acanhadas em falar comigo, estranhei o facto, pois as conversas eram normalíssimas, o entregar a roupa, verificar se as mesmas estavam todas, o pagamento da tarefa e pouco ou nada mais.

A mais velha, depois de algum silêncio, lá me disse o que se passava. Até hoje estou por saber a razão porque fui escolhido para essa tarefa. Dava-me muito bem com os locais. Ia muitas vezes até à povoação, inteirava-me dos seus usos e costumes, assistia ao "tchikumbi" e era convidado para algumas festas. O fiote é por norma, um povo simpático, afável e de bom trato. Ia caçar quando estava disposto a isso, pastorava quem tinha rebanho e o resto do tempo era passado em franco convívio com os seus amigos.

A minha lavadeira explicou que a sua amiga estava grávida de um alferes lá do quartel, que depois de saber que ela estava grávida, tinha deixado de aparecer e ela tinha deixado de ser a lavadeira dele.

Pediram-me para interceder, de forma a que ele voltasse de novo para ela e pudesse participar nas despesas quando, no futuro, o filho que estava a ser gerado, viesse ao mundo.

De nada valeu a minha alocução junto ao alferes (que já não me lembro quem era) e, pouco tempo depois, devido a minha companhia ser de rendição individual, esse alferes foi-se embora.

A criança iria nascer nua.

P.S. - O sentido aqui é figurado, pois todos nós nascemos nus, mas depois do nascimento há sempre uma roupa que nos tapa. O alferes ao não assumir a paternidade, e isto tem a ver com o facto que todas as que se relacionavam com um tropa e embora tivessem mais roupa para lavar de outros tropas, eram fieis a esse companheiro até ele se ir embora, e ao não participar na evolução e nascimento do filho, o mesmo não teria, quando nascesse, roupa para o tapar.

foto: Fernando Correia

13.8.18

Filhos de Branco - Em tempo de guerra...

"Em tempo de guerra, não se limpam armas."

As lavadeiras que se relacionavam com tropas, embora não fossem colocadas à margem dentro da comunidade, não tinham outro parceiro senão o tropa com quem, além de lhes lavar a roupa, davam favores sexuais.

Elas não se importavam, pois sempre era melhor assim. Não tinham que ir buscar lenha e tratar da horta caseira, para o seu homem que, por sua vez, tinha mais que uma mulher para garantir que em casa nada lhe faltasse, pois exceto um caso ou outro, viviam à sombra da palmeira de onde o maruvo era extraído.

Quase todos os tropas tinham na sua lavadeira a sua companheira de esteira. Era melhor do que ir à grande cidade e terem relações com as prostitutas que lá haviam, pois eram um ninho de doença, devido à falta de higiene tanto deles como delas. E depois eram as doenças venéreas que iam à custa de penicilina de um milhão de unidades, e quando a doença se propagava, eram obrigados ao "descasque da banana" ou ficavam com sífilis. Em tempo de guerra não havia muitas vezes tempo de se limpar a "arma" e dava nisso.

Quando as cabindesas tinham filhos e devido a ter que o levar às costas seguro naquele pano típico, com um pau, iam elas aos poucos forçando a mama (quase sempre a da direita) para que atingisse o comprimento suficiente para quando o rebento tivesse fome, pudesse, nas suas costas, pegar na mama da mãe e sorver o leite da vida, enquanto elas amanhavam a terra ou apanhavam lenha. Estranhei e muito esse facto. A mama esquerda sem grande alteração, para que o filho mamasse quando estivesse ao colo, e a outra comprida para quando ele estivesse nas costas.

E era vê-las estrada fora, com grande quantidade de lenha dentro da cesta, segura pela cabeça.


P.S. - Na família cabinda, a principal figura é a mãe, pois é ela que trabalha a terra - fonte básica de sustento da família, e gera os filhos que aumentam o poder do clã. As filhas são a base da continuidade e propagação do grupo e base da sustentação deste pelo amanho da terra. O homem dedica-se à caça, ao derrube de árvores de maior porte e à guerra. O Cabinda considera a actividade agrícola aberrante da sua dignidade.


7.8.18

Filhos de Branco - As Lavadeiras

A vida no quartel decorria normalmente. Na aldeia, as cabindesas iam para a floresta buscar mais toros para a fogueira que faziam em casa ou tratar da pequena horta sustento do lar. Os homens, na sua maioria, não faziam nada. Sentavam-se à soleira da porta, iam ter com os amigos à tabanca ou bebiam o maruvo, seiva extraída da palmeira que depois de fermentada, tinha um grande valor alcoólico.

Muitas delas eram nossas lavadeiras. Levavam e lavavam a nossa roupa no rio Chiloango e depois de entregue, eram pagas pelo serviço prestado. Só que muitas não eram só lavadeiras, eram também companheiras de alguns tropas, fossem eles alferes, sargentos ou simples praças.

Naturalmente que ser de alferes ou sargentos, lhes dava maior garantia de sobrevivência, sim que aquilo era uma forma de sobreviver e não de amor. Saía uma Companhia, entrava outra e, para elas, vai-se um "amor" vem outro. O importante era que tanto o lavar de roupa, como o ser-se companheira de noites passadas na esteira, lhes desse para alimentar os rebentos.

Ela, uma linda cabindesa, ali estava à minha frente. Não era a minha lavadeira, a minha era mais velha. A sua barriga dilatada, denunciava uma gravidez. Vim a saber de quem era o filho que ali estava a ser gerado.

6.4.18

Caminhos da Vida

Em terra do planalto do Huambo andei
Lisboa que era Nova e não a da Europa
Jovem à EAMA em camioneta demandei
Em janeiro enverguei a farda, fui lá tropa.

E aquele ar sereno das noites que ali sentia
Faz parte da minha alma e da minha poesia.

foto: estufa fria - Nova Lisboa - 1973

28.2.18

Adeus Amigo, Companheiro e Camarada de Armas

Conhecemo-nos na Escola Industrial de Luanda onde fomos companheiros do mesmo ano pois nascemos em 52. Tornámo-nos amigos e deu-se o caso de vir a namorar com uma colega na firma onde eu era desenhador, EDAL - Estofos de Angola quando eu já era trabalhador/estudante.

A Amizade manteve-se pela proximidade, e em 1973 estivemos no curso de Sargentos na EAMA em Nova Lisboa, Huambo.

Depois dos testes para os Comandos, fomos para o 27º curso em Luanda. A camaradagem manteve-se e como grandes Amigos que éramos, sempre numa de entreajuda quando as provas eram mais a doer ou em momentos de repouso, a conversa no dia a dia para ir suplantando a dureza das provas físicas.

Como estávamos em Luanda aproveitávamos os fins de semana para ir namorar com as respetivas.

Ele foi Comando da 2044ª Companhia e eu fui para Cabinda. Mas nem a distância fez esquecer a Amizade e no dia do seu casamento eu estava lá com a minha namorada, hoje minha mulher.

Depois da guerra civil perdi-lhe o rasto e, como aconteceu com outros meus Amigos e Camaradas, durante anos procurei saber onde ele estava. Ao fim de muitos anos soube que estava na África do Sul.

.. e através da net, voltamos a comunicar 40 anos depois. Ficamos de nos encontrar quando ele viesse a Lisboa para mais um encontro da malta dos Comandos. Infelizmente, devido a uma impossibilidade da minha parte, não foi possível esse reencontro. Seria este ano, mas ele disse-me que dificilmente viria e eu não sabia a razão. Depois soube... um cancro alastrava. Morreu esta manhã.

Para ti Amigo, Companheiro e Camarada as minhas lágrimas.

Que descanses em Paz, um dia irei reunir-me a ti e iremos ter o reencontro que aqui não tivemos.

O distintivo da minha boina de Comando na tua foto Rod Rodrigues, representa a grande Amizade que tínhamos e das vezes que me chamavas "mano" sem nunca o termos sido.

"Os Comandos não morrem, reagrupam-se no inferno"

Até um dia!


6.2.18

Furriel Lima

Junho de 1973 – EAMA – Especialidade

Depois de ter sido escolhido para ir para os Comandos, havia que fazer umas provas para verificar se tínhamos espírito guerreiro para um dia no colocar da boina e do crachá no peito ouvir: «"QUERES SER COMANDO? QUERO!!! ENTÃO VAI E CUMPRE O TEU DEVER.»

E eu que tinha sido escolhido para o ser iria fazer tudo o que pudesse para ouvir essa frase

Na prova de corrida fico em 2º lugar. No boxe inicialmente não estava para andar ali a dar murros num amigo meu, mas aos gritos do vai-te a ele, não sejam meninas, lá teve que ser.

27º Curso dos Comandos – C.I.C. – Cazenga

12 de junho de 1973

Voltei a Luanda juntamente com os meus camaradas da EAMA que tinham passado nos testes. Distribuídas as camaratas, verificámos que a G3 tinha não balas de salva como na EAMA, mas sim balas que perfuram o corpo de quem as recebe. Eram balas verdadeiras.

Formam-se os grupos. Alinhados na Parada, ficaríamos a saber quem nos iria comandar durante os meses de instrução. Fala-se no Furriel Luz, no Furriel Magalhães, que nos diziam que era mau como as cobras, e quem nos aparece é o Furriel Lima (curiosamente não me lembro do nome de nenhum dos Alferes)

Ali estava o Lima em frente a nós. T-shirt branca, perna aberta, mãos atrás das costas, perfil orgulhoso, rosto bem vincado, um Comando à maneira. Feitas as apresentações, os conselhos, o orgulho de podermos pertencer àquela força especial e a retirada então para a camarata e começar a preparar tudo o que iríamos necessitar durante aqueles três meses que iria durar o Curso.

Muito sofremos naquela instrução. Muitos ficaram pelo caminho e muito o Furriel Lima me incentivou para que vencesse os obstáculos quando eles já me pareciam enormes, tal o cansaço adquirido. Mas cada dia que passava tornava-me mais forte.

Pegava na minha G3 limpinha. Falava comigo, colocava o cano na areia e olhando depois para ela dizia que eram só pedregulhos que via dentro do cano… Pudera!

E lá tínhamos que pagar, flexões atrás de flexões, rebolar, carregar o companheiro às costas e correr com ele, tudo isto com incentivos, mas também com muito sangue, suor e lágrimas.

Um dia todos em círculo, arma nas mãos com os braços estendidos, quem ganhasse teria o fim-de-semana garantido. E a arma que pesava cerca de 5kg com o carregador municiado começou a pesar “toneladas”. Um a um iam desistindo. Fiquei eu mais outro camarada. Os dois últimos, um iria a casa. O corpo todo torcido para trás, a tentar que os braços não descaíssem e o Furriel Lima talvez por eu ser Lima também diz-me: «Lima tens que vencer».

E o meu camarada descai por fim os braços. Tinha ganho.

“Queda na máscara”. Ao fazer o gesto normal da queda com a G3, resvalo numa pedra, bato com a clavícula na coronha e hospital comigo. Braço entrapado, mas tanto o Alferes como o Furriel Lima, contavam comigo. Dentro dos meus limites ia fazendo a instrução, mas estava escrito que nunca seria Comando. Quando já estava sem limitações nova queda e esta parva, num jogo de futebol nos Maristas em Luanda. E foi o fim do sonho.

O Furriel Lima olhou para mim e desejou-me sorte. Fiquei no C.I.C. até um dia ver os meus camaradas a receberem o crachá (12 de outubro de 1973). Em Dezembro fui para Cabinda.

1974 - Recebo a notícia, o Furriel Lima tinha morrido numa emboscada em Cabinda (16Jun74 na zona de Caio Guembo). Fiquei transtornado. O “meu” Furriel tinha morrido. Inicialmente deram-me uma versão que não correspondia à verdade dos factos. Anos mais tarde soube que fora por deflagração de uma mina A/P (antipessoal).

Para ti Amigo Lima estejas onde estiveres nunca por mim foste esquecido. Um dia lá no alto, vais fazer com que eu receba o crachá. O crachá que com orgulho exibias e que eu nunca recebi.

P.S, - o meu agradecimento ao filho do Furriel Lima, Helder Gonçalves, pela autorização de poder utilizar fotos do Pai neste meu tema.



Recorte do Diário de Lisboa onde noticia a morte de três camaradas entre eles o do Furriel Lima.

11.1.18

A Fossa

Sendo a C.Compª 113 em Tando Zinze em 1973/1974, de rendição individual, os nossos soldados eram, maioritariamente, naturais de Cabinda.

Eles não o sabiam mas serviam-me perfeitamente para o que podia acontecer numa patrulha que fizesse. Se iam à vontade e espaçados entre si, era sinal que a patrulha iria decorrer sem problemas, se fossem perto uns dos outros era porque havia IN nas proximidades. Sendo eles da zona sabiam bem, por informação da aldeia de onde eram naturais, os movimentos dos grupos que nos combatiam (não esquecer que nunca tivemos problemas com os fiotes. Entre nós houve sempre um relacionamento de franca camaradagem. Os "turras" como os definíamos, eram naturais de outros locais de Angola ou congoleses.)

Um dia o meu capitão chamou-me pois tinha um problema para ser resolvido. Sabia que tinha formação em desenho e que era desenhador numa Empresa Metalo-Mecânica (EDAL- Estofos de Angola).

O problema residia em fazer-se uma fossa séptica no prolongamento da nossa messe de sargentos, no terreno baldio. Quem esteve em Tando Zinze sabe bem o local. A outra existente já não comportava mais e era necessário fazer uma nova.

Fiz o desenho, um buraco quadrado com canas grossas sobrepostas de forma a não deixar passar fosse o que fosse. Aprovado o projeto mãos à obra.

E durante uns dias, buraco aberto, canas metidas, atadas umas às outras, sempre sobre a minha supervisão e após algum tempo, os remates finais, tampa colocada e há que tapar tudo aquilo.

É este o momento que a obra está a finalizar. Os nossos camaradas a tapar a fossa e eu devia ter vindo de alguma ida à floresta buscar lenha pois estou com farda de trabalho e de G3 na mão.

8.1.18

Tchinguinguili

Quando nos referimos o local onde estivemos na tropa, quase sempre indicamos a zona (hoje "comuna") onde estava inserido o nosso quartel.

Ao reler as cartas que escrevi há 44 anos, verifico que tinha lá o nome da povoação junto ao nosso quartel.

Tchinguinguili é o nome dessa aldeia (hoje tanto aparece como o que aqui está, como perde o "Tê" e fica Chinguinguili)

Aqui no quartel de Tando Zinze com o Furriel Guedes, e outros camaradas naturais de Cabinda.