A Tua Vontade é a Tua Vitória

10.3.23

O tiro que não dei

Tínhamos sido largados numa picada, para quatro dias em patrulha pela floresta do Maiombe. O saco com rações de combate, uma manta, poncho, uma esteira, caso tivesse bom tempo e não dormir encostado a uma árvore. As tiras dos sacos davam-nos cabo dos ombros. O meu grupo lá seguiu caminho.

Foi uma patrulha terrível. Devido ao mau tempo pouco dormimos, não havendo povoações pelo trajeto, teríamos que comer e beber o que levávamos. Eu raramente comia. Aquilo dava-me cabo do estômago.

Ao fim de dois dias já a moral estava em baixo. A irritabilidade era uma constante. Ao menos do IN nem sombras, mas cada pisar de ramo era um sobressalto. O nosso pisteiro à frente ia picando o terreno, para ver se havia existência de minas. Chamava-lhe na brincadeira, de "rebenta-minas" pois os pés viravam para fora, e o espaço ocupado pelas botas eram maiores e se mina houvesse...!

Finda a patrulha, desesperados por tantos dias passados e bem sofridos no mato, mando o radiotelegrafista ligar para o quartel a fim de nos recolher.

Passa uma hora, duas, três e nada de Unimog.

A noite estava a cair e à noite, não podíamos ser recolhidos.

Até que finalmente chega. Pergunto por tão demora na recolha e ele deu uma desculpa que não interessa.

Estava tão desesperado que apontei-lhe a G3. A minha vontade era dar-lhe um tiro, mas fiquei-me pela intenção. Que nunca mais tal viesse a acontecer.

Chegado ao quartel, o banho retemperador, a comida quente, o descanso merecido e, no dia seguinte, estava de sargento de dia.

Aqui no Maiombe, numa patrulha mais suave.

8.3.23

O acidente mora ao lado!

Raramente as patrulhas na floresta do Maiombe eram feitas de Unimog. As picadas eram estreitas, muito ramo e lama devido às intensas chuvadas que caiam naquela floresta onde o sol mal penetrava, devido à altura e copas das árvores.

Éramos pasto ideal para o mosquito que nos afetava quando na bermas pernoitávamos.

Muitas vezes éramos deixados num certo local e o resto da patrulha era feita a pé. No regresso era contactado o quartel para nos recolher.

Naquela semana, a patrulha seria no nosso "burro de carga", o Unimog.

Eu à frente e o meu grupo de combate sentado nos bancos laterais, com a arma pronta, lá seguimos.

Tinha chovido na véspera, o normal naquelas paragens. O terreno toda enlameado. Charcos que não mostravam o que por baixo estava. Tanto podia ser nada, como um buraco profundo.

O condutor devia pensar que era o Fittipaldi. Conduzia naquela estreita picada, como se estivesse no autódromo. Avisei-o de que não podia continuar assim, pois colocava a nossa vida em perigo. Diz ele: Parece que o meu furriel está com medo! Não, não é medo. É respeito por quem aqui vai, e é favor moderar a velocidade.

Fez orelhas moucas e continuou. Estava preparado para saltar se o Unimog virasse, assim como os soldados, pois viam que o sujeito não abrandava. Até que num charco, o Unimog ia-se voltando. Foi por um triz. O motorista parou a viatura a transpirar. O meu furriel tem razão - disse!

E até ao destino, teve o cuidado de ir devagar, não fosse o diabo tecê-las.

No fim da patrulha, teve o castigo merecido.

Não brinco em serviço!

Aqui numa dessas patrulhas.

6.3.23

A carreira de tiro

O nosso quartel, embora perto houvesse uma povoação, estava isolado e com arame farpado. Tínhamos postos de vigia que, quando estávamos de sargento de guarda, durante a noite percorríamos os postos, para ver se os vigias estavam em alerta e não a dormir, como de vez em quando acontecia.

A vida dentro do quartel, fora as patrulhas e o MVL a Cabinda, era sempre a mesma. Formatura, atribuição de funções e cada um seguia o seu caminho.

A poucos metros do quartel, mas fora do perímetro, tínhamos o nosso campo de tiro.

Uma barreira natural de terra vermelha, colocava-se ali uma mira de papel presa a um pau, e há que acertar o mais possível no alvo. Isso com a G3.
No entanto fazíamos também fogo com a metralhadora HK21 (tinha no meu quarto virado para a entrada do quartel, em cima de uma mesa, uma destas pronta a disparar), essa era acertar no morro, sem mira possível mas dentro de uma zona limitada.

Aqui estou eu a municiar um furriel como eu, (depois trocávamos de posição) numa sessão de tiro com a HK21.

2.3.23

Foi há 48 anos...

Depois de ter entrado na tropa em janeiro de 1973, foi em fevereiro de 1975 que na cidade de Cabinda, passei à disponibilidade.

Fui dos últimos a deixar a companhia pois era o responsável pelo armamento.

Muitas patrulhas fizeram estas botas no Maiombe. Patrulhas a pé, por charcos, por lama, em noites dormidas encostado a uma árvore, envolto no poncho, pois as noites na floresta eram agrestes. Raramente eram tiradas pois, a qualquer momento, podíamos ser atacados e tanto podíamos estar com as calças na mão, como sem calçado nos pés. Um soldado se tiver que morrer, morre calçado.

Noites e dias terríveis que me calejaram. Não podíamos fazer fogo, comia-se rações de reserva, e o famoso quinino que colocávamos no cantil, quando o tínhamos que encher com água 'manhosa' de um charco qualquer.

Em fevereiro pousei as minhas botas no alpendre da janela em Cabinda e tirei esta foto.

No dia seguinte já andava de sapatos.

Destas botas ficaram a recordação, dos muitos caminhos e km percorridos.