A Tua Vontade é a Tua Vitória

3.3.24

O Arrebenta-Minas

Quando em Tando-Zinze saía em patrulha por alguns dias, observava o comportamento do meu grupo de combate. Quase todos eram naturais de Cabinda. Se estivessem descontraídos, era sinal de que a patrulha decorreria sem sobressaltos; se mostrassem alguma apreensão, algo poderia correr mal.

Dado que as picadas eram estreitas, quase sempre levava um cabo que, com um ferro comprido, ia sondando o terreno aqui e ali para garantir que não houvesse minas escondidas.

Ao cabo que acompanhava, chamávamo-lo de “arrebenta-minas”, e a razão era simples: o homem tinha os pés virados para fora, ocupando assim mais espaço. Se ele passasse sem detonar nenhuma mina, nós também poderíamos seguir com confiança.

Hoje em dia, pode parecer engraçado, mas naquela época todo o cuidado era pouco.

A esse nosso cabo, que inconscientemente nos protegia, devemos muito por ainda estarmos aqui. Nunca enfrentámos problemas, mas quem sabe se um dia… não encontrássemos uma mina pelo caminho e ele estava lá.

10.3.23

O tiro que não dei

Tínhamos sido largados numa picada, para quatro dias em patrulha pela floresta do Maiombe. O saco com rações de combate, uma manta, poncho, uma esteira, caso tivesse bom tempo e não dormir encostado a uma árvore. As tiras dos sacos davam-nos cabo dos ombros. O meu grupo lá seguiu caminho.

Foi uma patrulha terrível. Devido ao mau tempo pouco dormimos, não havendo povoações pelo trajeto, teríamos que comer e beber o que levávamos. Eu raramente comia. Aquilo dava-me cabo do estômago.

Ao fim de dois dias já a moral estava em baixo. A irritabilidade era uma constante. Ao menos do IN nem sombras, mas cada pisar de ramo era um sobressalto. O nosso pisteiro à frente ia picando o terreno, para ver se havia existência de minas. Chamava-lhe na brincadeira, de "rebenta-minas" pois os pés viravam para fora, e o espaço ocupado pelas botas eram maiores e se mina houvesse...!

Finda a patrulha, desesperados por tantos dias passados e bem sofridos no mato, mando o radiotelegrafista ligar para o quartel a fim de nos recolher.

Passa uma hora, duas, três e nada de Unimog.

A noite estava a cair e à noite, não podíamos ser recolhidos.

Até que finalmente chega. Pergunto por tão demora na recolha e ele deu uma desculpa que não interessa.

Estava tão desesperado que apontei-lhe a G3. A minha vontade era dar-lhe um tiro, mas fiquei-me pela intenção. Que nunca mais tal viesse a acontecer.

Chegado ao quartel, o banho retemperador, a comida quente, o descanso merecido e, no dia seguinte, estava de sargento de dia.

Aqui no Maiombe, numa patrulha mais suave.

8.3.23

O acidente mora ao lado!

Raramente as patrulhas na floresta do Maiombe eram feitas de Unimog. As picadas eram estreitas, muito ramo e lama devido às intensas chuvadas que caiam naquela floresta onde o sol mal penetrava, devido à altura e copas das árvores.

Éramos pasto ideal para o mosquito que nos afetava quando na bermas pernoitávamos.

Muitas vezes éramos deixados num certo local e o resto da patrulha era feita a pé. No regresso era contactado o quartel para nos recolher.

Naquela semana, a patrulha seria no nosso "burro de carga", o Unimog.

Eu à frente e o meu grupo de combate sentado nos bancos laterais, com a arma pronta, lá seguimos.

Tinha chovido na véspera, o normal naquelas paragens. O terreno toda enlameado. Charcos que não mostravam o que por baixo estava. Tanto podia ser nada, como um buraco profundo.

O condutor devia pensar que era o Fittipaldi. Conduzia naquela estreita picada, como se estivesse no autódromo. Avisei-o de que não podia continuar assim, pois colocava a nossa vida em perigo. Diz ele: Parece que o meu furriel está com medo! Não, não é medo. É respeito por quem aqui vai, e é favor moderar a velocidade.

Fez orelhas moucas e continuou. Estava preparado para saltar se o Unimog virasse, assim como os soldados, pois viam que o sujeito não abrandava. Até que num charco, o Unimog ia-se voltando. Foi por um triz. O motorista parou a viatura a transpirar. O meu furriel tem razão - disse!

E até ao destino, teve o cuidado de ir devagar, não fosse o diabo tecê-las.

No fim da patrulha, teve o castigo merecido.

Não brinco em serviço!

Aqui numa dessas patrulhas.

6.3.23

A carreira de tiro

O nosso quartel, embora perto houvesse uma povoação, estava isolado e com arame farpado. Tínhamos postos de vigia que, quando estávamos de sargento de guarda, durante a noite percorríamos os postos, para ver se os vigias estavam em alerta e não a dormir, como de vez em quando acontecia.

A vida dentro do quartel, fora as patrulhas e o MVL a Cabinda, era sempre a mesma. Formatura, atribuição de funções e cada um seguia o seu caminho.

A poucos metros do quartel, mas fora do perímetro, tínhamos o nosso campo de tiro.

Uma barreira natural de terra vermelha, colocava-se ali uma mira de papel presa a um pau, e há que acertar o mais possível no alvo. Isso com a G3.
No entanto fazíamos também fogo com a metralhadora HK21 (tinha no meu quarto virado para a entrada do quartel, em cima de uma mesa, uma destas pronta a disparar), essa era acertar no morro, sem mira possível mas dentro de uma zona limitada.

Aqui estou eu a municiar um furriel como eu, (depois trocávamos de posição) numa sessão de tiro com a HK21.

2.3.23

Foi há 48 anos...

Depois de ter entrado na tropa em janeiro de 1973, foi em fevereiro de 1975 que na cidade de Cabinda, passei à disponibilidade.

Fui dos últimos a deixar a companhia pois era o responsável pelo armamento.

Muitas patrulhas fizeram estas botas no Maiombe. Patrulhas a pé, por charcos, por lama, em noites dormidas encostado a uma árvore, envolto no poncho, pois as noites na floresta eram agrestes. Raramente eram tiradas pois, a qualquer momento, podíamos ser atacados e tanto podíamos estar com as calças na mão, como sem calçado nos pés. Um soldado se tiver que morrer, morre calçado.

Noites e dias terríveis que me calejaram. Não podíamos fazer fogo, comia-se rações de reserva, e o famoso quinino que colocávamos no cantil, quando o tínhamos que encher com água 'manhosa' de um charco qualquer.

Em fevereiro pousei as minhas botas no alpendre da janela em Cabinda e tirei esta foto.

No dia seguinte já andava de sapatos.

Destas botas ficaram a recordação, dos muitos caminhos e km percorridos.