Junho de 1973 – EAMA – Especialidade
Depois de ter sido escolhido para ir para os Comandos, havia que fazer umas provas para verificar se tínhamos espírito guerreiro para um dia no colocar da boina e do crachá no peito ouvir: «"QUERES SER COMANDO? QUERO!!! ENTÃO VAI E CUMPRE O TEU DEVER.»
E eu que tinha sido escolhido para o ser iria fazer tudo o que pudesse para ouvir essa frase
Na prova de corrida fico em 2º lugar. No boxe inicialmente não estava para andar ali a dar murros num amigo meu, mas aos gritos do vai-te a ele, não sejam meninas, lá teve que ser.
27º Curso dos Comandos – C.I.C. – Cazenga
12 de junho de 1973
Voltei a Luanda juntamente com os meus camaradas da EAMA que tinham passado nos testes. Distribuídas as camaratas, verificámos que a G3 tinha não balas de salva como na EAMA, mas sim balas que perfuram o corpo de quem as recebe. Eram balas verdadeiras.
Formam-se os grupos. Alinhados na Parada, ficaríamos a saber quem nos iria comandar durante os meses de instrução. Fala-se no Furriel Luz, no Furriel Magalhães, que nos diziam que era mau como as cobras, e quem nos aparece é o Furriel Lima (curiosamente não me lembro do nome de nenhum dos Alferes)
Ali estava o Lima em frente a nós. T-shirt branca, perna aberta, mãos atrás das costas, perfil orgulhoso, rosto bem vincado, um Comando à maneira. Feitas as apresentações, os conselhos, o orgulho de podermos pertencer àquela força especial e a retirada então para a camarata e começar a preparar tudo o que iríamos necessitar durante aqueles três meses que iria durar o Curso.
Muito sofremos naquela instrução. Muitos ficaram pelo caminho e muito o Furriel Lima me incentivou para que vencesse os obstáculos quando eles já me pareciam enormes, tal o cansaço adquirido. Mas cada dia que passava tornava-me mais forte.
Pegava na minha G3 limpinha. Falava comigo, colocava o cano na areia e olhando depois para ela dizia que eram só pedregulhos que via dentro do cano… Pudera!
E lá tínhamos que pagar, flexões atrás de flexões, rebolar, carregar o companheiro às costas e correr com ele, tudo isto com incentivos, mas também com muito sangue, suor e lágrimas.
Um dia todos em círculo, arma nas mãos com os braços estendidos, quem ganhasse teria o fim-de-semana garantido. E a arma que pesava cerca de 5kg com o carregador municiado começou a pesar “toneladas”. Um a um iam desistindo. Fiquei eu mais outro camarada. Os dois últimos, um iria a casa. O corpo todo torcido para trás, a tentar que os braços não descaíssem e o Furriel Lima talvez por eu ser Lima também diz-me: «Lima tens que vencer».
E o meu camarada descai por fim os braços. Tinha ganho.
“Queda na máscara”. Ao fazer o gesto normal da queda com a G3, resvalo numa pedra, bato com a clavícula na coronha e hospital comigo. Braço entrapado, mas tanto o Alferes como o Furriel Lima, contavam comigo. Dentro dos meus limites ia fazendo a instrução, mas estava escrito que nunca seria Comando. Quando já estava sem limitações nova queda e esta parva, num jogo de futebol nos Maristas em Luanda. E foi o fim do sonho.
O Furriel Lima olhou para mim e desejou-me sorte. Fiquei no C.I.C. até um dia ver os meus camaradas a receberem o crachá (12 de outubro de 1973). Em Dezembro fui para Cabinda.
1974 - Recebo a notícia, o Furriel Lima tinha morrido numa emboscada em Cabinda (16Jun74 na zona de Caio Guembo). Fiquei transtornado. O “meu” Furriel tinha morrido. Inicialmente deram-me uma versão que não correspondia à verdade dos factos. Anos mais tarde soube que fora por deflagração de uma mina A/P (antipessoal).
Para ti Amigo Lima estejas onde estiveres nunca por mim foste esquecido. Um dia lá no alto, vais fazer com que eu receba o crachá. O crachá que com orgulho exibias e que eu nunca recebi.
P.S, - o meu agradecimento ao filho do Furriel Lima, Helder Gonçalves, pela autorização de poder utilizar fotos do Pai neste meu tema.
Recorte do Diário de Lisboa onde noticia a morte de três camaradas entre eles o do Furriel Lima.
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