A Tua Vontade é a Tua Vitória

2.8.19

O paludismo

Na recruta, apanhávamos uma injeção que designávamos por 'injeção cavalar' (a vacina era injetada nas costas, junto à omoplata) que, por princípio, nos tornava imunes às doenças tropicais. Tomei-a na EAMA mas, como se veio a verificar, a injeção não era infalível. Uns dias no mato, com patrulhas a pé de cinco dias, a beber água dos charcos, e sabíamos bem que no interior do Maiombe os charcos ficavam ali semanas, propícios para as larvas dos mosquitos, e com tanta picadela, há sempre uma altura que o corpo cede.

Pouco tempo estava em Tando Zinze quando comecei a ter febre e, ao tomar banho na nossa messe de sargentos, o corpo começa a tremer. Sem saber o que era, tomo banho rapidamente e lençóis comigo. Era dia 3 de janeiro de 1974. Os suores continuavam e como com a idade de 22 anos não há andropausa, só podia ser uma coisa... Paludismo.

Era a 2ª vez que tinha. A primeira tinha sido como civil e estive uma semana de cama em Luanda (tive uma terceira vez que quase foi necessário chamar o helicóptero para ir para o Hospital de Cabinda, pois o meu estado de saúde estava muito agravado. Felizmente recuperei). O enfermeiro lá me deu uma injeção e 'violou-me' com dois supositórios. Nessa noite nem comi e foi uma noite terrível.

Estava eu na minha caminha (parece a guerra do Solnado), quando me acordaram pois tinha que ir no MVL para Cabinda onde iria fazer uma pequena cirurgia, devido a uma unha encravada dos tais jogos de bola. Como era habitual, nesse dia chovia e de que maneira. Mesmo com o impermeável a chuva entrou-me pelo corpo e se doente estava mais doente fiquei. Só que a cirurgia era no dia seguinte (sábado). Fico em casa de um conhecido onde tinha a minha roupa civil e, nessa tarde, deu-me para ir passear por Cabinda.

Volta o corpo a tremer, entro num bar e peço um copo de leite. O barman olha para mim e aquela cabeça deve ter-me chamado de 'copinho de leite'. "Onde já se viu um mancebo a pedir um copo de leite?! Uma cerveja sim, bem fresquinha... agora um copo de leite? Bah... já não há homens como dantes!"

Mais valia ter pedido a cerveja. Fico agoniado, quase que caio, os ouvidos a zumbir e não era das moscas, e uma névoa se forma nos meus olhos. Sento-me, cabeça entre as pernas e lá recuperei. Pago e cama comigo. Doía-me todo o corpo, febre altíssima. Tomo dois comprimidos, mas dormir nada.

No dia seguinte fico sem unha, dedo entrapado, mas mesmo a pé coxinho a cidade era para ser visitada pois terça-feira iria de novo para o mato e havia que aproveitar os dias.

Coisas do destino, nessa noite fui ao cinema Chiloango ver o filme "Hospital". Tal como Maomé, como não fui para o Hospital, veio o "Hospital" até mim.

Na manhã do dia seguinte, vou ver a chegada do Governador Fernando Santos e Castro que iria inaugurar as novas áreas operacionais do aeroporto e do porto da cidade.

Foi com um calor terrível que voltei para o aquartelamento em Tando Zinze, onde mais patrulhas de dias no mato, me esperavam.

foto: aqui na 3ª vez que estive com paludismo. Estava no início da doença que quase me levava de 'charola' para Cabinda.


autor: 2º sargento Maurício

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